A vodca pode embriagar mais que "Ana Karenina" ou o "Concerto nº 3 para Piano" de Prokófiev, o que é um feito. Segundo um provérbio russo, "o primeiro copo de vodca te sufoca; o segundo te deixa esperto como um falcão; depois do terceiro, os copos saem voando como passarinhos".
A citação está num pequeno livro formidável, "Viagem à Terra das Moscas", de Aldo Buzzi. Ele conta que a vodca era medida em baldes no interior da Rússia e era usada como remédio: "Contra contágios, vodca com pimenta vermelha; contra dor de dente, vodca com raiz forte".
A invenção russa é um dos principais personagens de "O Grande Lebowski", longa dos irmãos Coen, como o licor de café e o creme de leite. Juntos formam o white russian, coquetel preparado nove vezes ao longo do filme de 1998.
Jeffrey Bridges encarna o personagem-título com tanta perfeição que ficou difícil distinguir ator e criatura. The Dude, "o cara", como gosta de ser chamado, bebe seus white russians como se fossem café com leite, e não se importa com a baba no bigode.
Consegue um impressionante equilíbrio zen quando está com o copo na mão, seja praticando tai-chi sobre um tapete persa, ou quando é atirado por capangas para dentro de uma limousine: "Ei, cuidado! Tem uma bebida aqui!".
Essa é a filosofia do Dude: cuide da sua bebida, pratique seu boliche e não faça mal a ninguém. Prefira o abraço ao cansaço de uma discussão. Viva numa boa. O figurino é a roupa mais confortável que você tiver —no caso de Lebowski, robe, shorts ou calça florida, e chinelos, roupas que Bridges tirou do próprio armário.
O filme se passa nas montanhas de Hollywood, como "O Longo Adeus", livro de Raymond Chandler no qual é vagamente inspirado. Chandler era outro bebedor notório.
Conta-se que para furar um bloqueio diante das páginas em branco de um roteiro ("A Dália Azul"), foi preciso que o estúdio lhe enviasse inspiradoras garrafas de gim. E enfermeiras, que lhe aplicavam injeções de vitaminas. Era a garantia para que não desmaiasse sobre a máquina de escrever (história semelhante é contada em "Mank").
Mais sossegado, o Dude enfrenta outros problemas. Um milionário da indústria do cine ma pornô o persegue, assim como um grupo maluco de alemães "niilistas". Na bruma da maconha e do coquetel, tem sonhos que parecem coreografias pop-surrealistas.
Uma pintora de vanguarda (Julianne Moore) se encolhe na cama depois de transar com ele. El Duderino acha que é uma posição de ioga. "Facilita a concepção", ela explica. No susto, ele cospe o white russian sobre a grande angular.
O drinque é uma derivação cremosa do black russian, criado em 1949, começo da Guerra Fria, num hotel em Bruxelas, como homenagem a Perle Mesta, embaixadora americana em Luxemburgo, famosa pelas festas que promovia, em que presidentes tocavam piano e cantavam.
A bebida rodou muito na era disco até desaparecer nos anos 1980 e ser, então, ressuscitada pelo celuloide. O verdadeiro Dude, um produtor de cinema largadão chamado Jeff Dowd, integrante dos Sete de Seattle, grupo de protesto contra a Guerra do Vietnã, era um grande apreciador do coquetel "caucasiano".
Mas o brinde vai para o enfant terrible da música soviética. A Prokófiev, que nesta sexta-feira (23) faria 130 anos! "The white russian abides", diria Lebowski.
WHITE RUSSIAN
Ingredientes
- 60 ml de vodca
- 30 ml de licor de café
- 30 ml de creme de leite
Passo a passo
Bata a vodca e o licor de café numa coqueteleira e sirva num copo old-fashioned com gelo. Despeje o creme de leite sobre o dorso de uma colher.
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