Nos seus 87 anos de boas companhias, Gabriel García Márquez foi um bebedor constante e moderado. Seguia o preceito de Deleuze, para quem beber é a busca do último copo, ou seja, é navegar num rio que seca antes que o barco comece a balançar demais. Por outro lado, desconfiava dos abstêmios, verdadeiros "imorais", como dizia o escritor peruano Juan Ramón Ribeyro.
Um de seus parceiros de bar era Graham Greene, britânico afeiçoado ao halo tropical do Caribe. O autor de "Nosso Homem em Havana" gostava de tomar Barbancourt, rum haitiano. Quando se encontravam no Panamá, país que chegou a fazer parte da Colômbia, Greene costumava preparar um coquetel para o amigo. A receita se perdeu. Deve ser algo próximo de um añejo highball.
Quando foi receber o Nobel de literatura, em 1982, García Márquez lançou mão de outra amizade famosa e burlou a rígida alfândega sueca para receber dezenas de garrafas de rum, artigo raro em plagas nórdicas. Eram presentes de Fidel Castro, que Márquez, cercado de músicos e dançarinos caribenhos, tratou de distribuir aos convivas estupefatos.
Desde o começo da carreira, o autor de "Crônica de uma Morte Anunciada", ele mesmo homenageado por uma marca de rum, Maestro Gabo, reunia-se com amigos no bar La Cueva, em Barranquilla, para longas libações literárias. Alguns deles serviram de modelo para a epopéia dos Buendía.
Seu conterrâneo Álvaro Mutis é membro do seleto clube de romancistas e poetas que criaram seu próprio coquetel, que inclui o mencionado Greene e Hemingway, criador do death in the afternoon, drinque com absinto e champanhe.
Mutis inventou o maqroll, batizado com o nome do personagem central de muitos de seus livros, seu alter-ego, um marinheiro responsável por ficar no cesto da gávea para avistar novas paragens. Leva bourbon e dois tipos de vermute doce.
Afrocolombianidad
A colorida Colômbia, com praias em dois oceanos, aboliu a escravidão há exatos 170 anos. Nesta sexta (21), também se comemora a diversidade da cultura dos afrodescendentes, que inclui ritmos como a cumbia, o vallenato e o porro, assim como a fundação, em 1670, de Palenque de San Basilio, primeira cidade de escravos fugidos da América do Sul. Ela existe até hoje e conta com língua própria, el palenquero.
As bebidas produzidas pela comunidade afro e indígena, cujos direitos só foram plenamente reconhecidos na Constituição de 1991, variam bastante. Muitas delas, como o viche, são fermentações da cana de açúcar; outras, como a andina chicha, de milho. Das bebidas mais tradicionais na Colômbia, o canelazo é um quentão feito com a aguardiente local, parecida com a nossa, só que anisada.
O chirrinchi, por sua vez, é usado pelos índios wayuu para afastar a má sorte, curar reumatismo e afugentar fantasmas. Feita de cana ou rapadura, a bebida pode ser tomada ou usada para lavar partes do corpo em rituais. Também é colocada no estômago dos mortos, para que não apodreçam.
Já o arrechón, derivado do viche, é uma poção dita afrodisíaca. Como muitas dessas bebidas, é encontrado em garrafas, nas quais se lê: "tomar 15 ml duas vezes por dia, 40 minutos antes das atividades". Nesse caso, o morto levanta.
AÑEJO HIGHBALL
Ingredientes
- 45 ml de rum envelhecido (se possível, colombiano)
- 15 ml de licor de laranja
- 10 ml de suco de limão
- 2 espirradas de angostura
- cerveja de gengibre
Passo a passo
Bater os quatro primeiros ingredientes e coar para um copo highball com gelo. Completar com cerveja de gengibre.
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