Muitos diziam acreditar que o cometa que surgiu há 210 anos vinha para anunciar o fim do mundo. Para Pierre Bezúkhov, personagem mais simpático de "Guerra e Paz", de Tolstói, foi o contrário: o fenômeno espacial marcou o começo de uma nova vida.
Num dos trechos decisivos do romance, ele se declara para Natacha, que reage com lágrimas de ternura. Comovido, Pierre olha o céu escuro e vê o imenso cometa, com sua luz branca e cauda comprida, cravado naquele ponto, depois de ter "voado numa vastidão imensurável, numa velocidade indescritível e numa linha em parábola".
Naquele momento, ele "não sentia a mesquinharia injuriosa de toda a terra, em comparação com a elevação em sua alma" (tradução de Rubens Figueiredo).
Na França, a estrela com cabeleira, que ficou visível por nove meses, tampouco teve o efeito terrível da destruição, como em "O Cometa", do escritor negro W.E.B. Du Bois, que a editora Fósforo está lançando. Na verdade, foi depois de sua passagem que os vinhedos, então numa época de péssimas colheitas, passaram a frutificar com uma vitalidade nunca vista.
A safra daquele ano foi considerada perfeita para vinhos de Bordeaux e Sauternes. Foi também quando se produziu o primeiro champanhe moderno, da casa Veuve-Clicquot. Com o inovador processo de remuage, a levedura não se acumulava no fundo da garrafa, o que garantia pureza maior à bebida.
A espuma lançada no espaço, clímax festivo, não deixa de ser uma homenagem ao rastro luminoso do cometa. Freud diria que às vezes um champanhe é apenas um champanhe.
Fato é que outros cometas vieram e com eles novas safras espetaculares. Os vins de la comète passaram a ser colecionados como espécimes preciosos.
Púchkin, maior poeta russo, que faria 222 anos neste domingo, dia 6, também menciona a passagem do Flaugergues, como era chamado o grande cometa de 1811. Está numa estrofe de seu poema narrativo "Eugênio Onêguin". O personagem, um dândi aventureiro, cidadão "nada distinto/só tem no copo vinho tinto", entra no Talon, restaurante francês na avenida Niévski, em Petersburgo, "e a rolha se projeta", escorrendo "Vinho do Cometa" (tradução de Alípio Correia de Franca Neto e Elena Vássina).
O grande contista e dramaturgo Tchékhov é outro que tem uma relação marcante com o champanhe. Gravemente enfermo, recebe a visita do médico, que lhe aplica uma injeção de cânfora e oferece uma taça de champanhe. Tchékhov diz, com a profunda simplicidade que marca seus escritos: "Fazia tempo que eu não tomava champanhe". Vira a taça, vira para o lado e, aos 44 anos, morre, carregado pelas bolhas vindas do nordeste da França.
Lembra a frase do poeta Paul Claudel: "Senhores, nos poucos instantes que nos sobram entre a crise e a catástrofe, devemos beber uma taça de champanhe".
Na Rússia de Tolstói, Púchkin e Tchékhov, quase 40% das pessoas consomem álcool em grandes doses. Daí que caiu como uma bomba a declaração de uma médica do ministério da Saúde, aconselhando aos russos a ficarem duas semanas sem beber antes de tomar a Sputnik V —e 42 dias de abstinência depois.
Pierre Bezúkhov e Eugênio Onêguin aplaudiriam o desmentido do epidemiologista Gintsburg: "Uma taça de champanhe não machuca ninguém".
TWINKLE (receita Difford's)
Ingredientes
- 90 ml de vodca
- 25 ml de licor Saint-Germain
- Cerca de 45 ml de champanhe brut ou espumante
Passo a passo
Bater a vodca e o licor com gelo e coar para uma taça coupe previamente gelada. Completar com o champanhe e decorar com uma casca de limão siciliano.
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