Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Criado em um restaurante chinês, B-52s inspirou um coquetel que é a cara do grupo

Integrantes dividiram, em seu primeiro encontro, um drinque que imitava um vulcão

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Há muitos e muitos anos, num futuro distante, existiu uma banda chamada The B-52s. A primeira reunião dos cinco fundadores foi num restaurante chinês em Athens, cidade sulista dos Estados Unidos, a mesma do R.E.M. Sem grana para a comida, pediram um coquetel chamado flaming volcano, símbolo perfeito do imaginário que iriam cultivar.

A mistura exótica vem num tigelão pintado com motivos havaianos e a réplica de um vulcão no meio. A boca do vulcão é preenchida com rum e acesa. É sob a hipnótica chama azul que todos bebem juntos, com longos canudinhos, para não chamuscar as pestanas.

O primeiro disco dos B-52s, de 1979, definiu o que seria o lado protoqueer e lúdico da new wave. Cores berrantes e a ambiência kitsch dos filmes-B faziam parte do cardápio. "Planet Claire" abre descrevendo um mundo de atmosfera cor de rosa em que as pessoas não morrem e não têm cabeça.

Diversão eterna e desmiolada, o oposto do que os colegas do outro lado do Atlântico, como Joy Division e The Smiths faziam, um rock denso, em que o vocalista desfia suas misérias existenciais.

Mas o B-52s também se aventurava em experiências sonoras e a sensibilidade camp, em que estilo é tudo. Como definiu Susan Sontag: "A essência do camp é seu gosto pelo artifício e pelo exagero". O curioso é que a banda misturava essa extravagância com um certo minimalismo e elegância déco.

Suas músicas também funcionavam —talvez inconscientemente— como uma paródia bizarra da paranóia da Guerra Fria, que culminaria nos mísseis e escudos espaciais de Ronald Reagan, não por acaso um ator de filmes-B.

É tentador pensar o que fariam com o falo voador de Jeff Bezos e a corrida de bilionários e seus brinquedos desafiadores da gravidade. Com certeza algo digno do manifesto amalucado "Rock Lobster" (Bob Esponja existiria sem essa música?).

Outra constante nas letras surreais do B-52s envolve carros conversíveis, angústias telefônicas e festas de jovens entediados. Algo saído diretamente dos anos 1950, quando os americanos eram abduzidos pela televisão e pelos confortos do espírito lounge, na tentativa de fugir de uma vida burocrática e sem sentido.

O flaming volcano faz parte dessa cultura do escapismo. No universo da mixologia, o desejo coletivo pelo exótico equivale aos bares e coquetéis tiki, inspirados pela exuberância das ilhas do Pacífico, cujo interesse foi despertado na Segunda Guerra.

O coquetel B-52, que leva licor de café
O coquetel B-52, que leva licor de café - Mayatnik/Adobe Stock

Da decoração com ícones da mitologia dos nativos às trilhas ondulantes com sons de animais, cortesia dos maestros Les Baxter e Martin Denny, os balcões se viam lotados de taças de formatos orgânicos, poções com sucos e licores tropicais e os guarda-sóis no alto, a defender as bebidas dos perdigotos.

O B-52s bebeu muito dessa cultura retrô, com blend original. O nome da banda não se refere ao avião bombardeiro, mas ao penteado na forma da fuselagem, que as vocalistas Kate Pierson e Cindy Wilson usavam, como antenas para ligações interplanetárias.

O shot B-52, por sua vez, foi uma homenagem ao quinteto —embora haja controvérsias. Faz também um aceno tímido à cultura tiki. Alguns barmen acrescentam rum no topo para criar uma chama azul, como a do flaming volcano. Ou dos foguetes rumo ao futuro antigo, tendo ao fundo o som de um theremin.

B-52

  • 10 ml de licor de café
  • 10 ml de Baileys
  • 10 ml de Grand Marnier

Passo a passo
Em um copo de shot, coloque o licor de café. Depois despeje o Baileys no dorso de uma colher. Repita a operação com o Grand Marnier. Ao final, o drinque deve mostrar as três camadas.

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