Bem antes das pirotecnias marciais de "Heroi", Zhang Yimou fez sua estreia no cinema com "Sorgo Vermelho" (1988). Vencedor do Urso de Ouro em Berlim, o filme se passa no final dos anos 1920, numa região miserável da China, em que se vê apenas terra seca e majestosos campos de sorgo, que escondem quem se aventura nas suas entranhas.
A linda Gong Li, em sua primeira aparição nas telas, interpreta uma jovem prometida em casamento ao dono de uma vinícola. Poderia parecer promissor, mas o sujeito é leproso. Só bebendo muito vinho. No caminho para sua nova morada, a comitiva que a leva numa liteira é assaltada e ela é salva de estupro por um dos carregadores.
A conexão entre eles se materializa. O benfeitor da noiva abre uma clareira entre as altas espigas de sorgo e prepara uma cama com suas folhas. A moça se entrega àquele gesto delicado. O sol tinge a cena de vermelho. As espigas ondulam com o vento, como se dançassem num ritual em homenagem ao casal. É um mar vegetal, profundo, primevo.
"Vermelho é a cor do quarto da noiva/vermelho é a cor do sangue da virgem", alguém canta, invisível. A seiva do sorgo vermelho é o que mantém aquela comunidade viva. O vinho é preparado em grandes recipientes de pedra, que mais parecem gordos seres de paciência milenar. É o que lhes dá coragem, alimento e alegria. E sentido às celebrações.
Depois da produção, erguem suas tigelas transbordantes e cantam para os deuses, em júbilo: "A melhor bebida é a que fazemos no nono dia da nona lua/Quem bebe nossa bebida está unido com o céu e a terra". A comunhão é vermelha. Jogam as tigelas no chão, que se espatifam. O sentimento do sagrado, a libido, os elementos que vêm do solo e o sangue, derramado com a invasão dos japoneses, se misturam no épico de Mo Yan, prêmio Nobel de Literatura, que inspirou o filme.
A China pode ter sido o primeiro lugar em que uma bebida alcoólica foi preparada. Jarros que datam de oito mil anos AC foram encontrados em escavações no norte do país. Continham vestígios de um fermentado de arroz, mel, uvas e um tipo de cereja.
Mas é mesmo o sorgo que se impôs no país. É a partir de seus grãos que se prepara o destilado mais bebido no mundo: o baijiu. São mais de dez bilhões de litros por ano.
Com cerca de 500 anos de história, o baijiu teve seu papel na formação da República Popular. Na Longa Marcha liderada por Mao Tse-Tung em 1934, o destilado, que chega a teores alcoólicos de 65%, era usado para desinfetar feridas, anestesiar quem ia entrar na faca e levantar o moral das tropas comunistas, vermelhas como o sorgo.
Num episódio curioso, a bebida predileta do Grande Timoneiro foi servida para o então presidente americano Richard Nixon, numa visita à China em 1972, que inspirou uma ópera do grande John Adams, "Nixon in China". O Dick Vigarista da política levou uma garrafa e quis se exibir para a filha mostrando a propriedade inflamável do baijiu. Botou fogo na mesa e quase incendiou uma das salas da Casa Branca.
É difícil encontrar baijiu no Brasil e uma garrafa pode sair cara. Mas vale a experiência. Nem que seja como insubmissão ao gosto padrão. Como cantam os trabalhadores em "Sorgo Vermelho": "Quem bebe nossa bebida não se ajoelha diante do imperador".
Hong Kong Accord
Ingredientes
- 30 ml de baijiu
- 15 ml de cachaça
- 20 ml de suco de limão
- 10 ml de xarope de mel
- 15 ml de licor St. Germain
- Duas espirradas de orange bitters
Passo a passo
Bata os ingredientes com gelo numa coqueteleira e coe para uma taça coupe gelada. Decore com uma fina casca de limão.
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