Antes de perder a cabeça, Maria Antonieta disse ao povo que, na falta de pão, comessem brioches. Disse mesmo? Parece que não. De certa forma a Revolução Francesa fez valer a frase. A derrocada da monarquia liberou grandes cozinheiros do serviço exclusivo nos castelos. Passaram a preparar seus pratos em estabelecimentos públicos, dos mais refinados aos mais populares.
Eram os primeiros restaurantes, que aos poucos foram pipocando na cidade das luzes. O ato de comer e beber ganhou novo status; de necessidade puramente biológica passou também a experiência estética. Palavras como sommelier e gourmandise começaram a circular com desenvoltura, ao passo que livros pioneiros de culinária eram publicados.
Nenhum tão influente como "A Fisiologia do Gosto", de Brillat-Savarin, advogado e juiz com formação em química, que havia sido deputado da Assembleia Revolucionária, onde bateu boca com Robespierre. Um dos primeiros estudiosos de gastronomia na história, o francês da pequena Belley, na região alpina, lançou sua obra mais famosa em 1825, dois meses antes de morrer. Almoços e jantares nunca mais foram os mesmos.
É um livro inclassificável, espirituoso e acessível. Editado em dois volumes, fez logo enorme sucesso. Com ele, Savarin levou a culinária a alturas transcendentais, mas sempre com os pés nas cozinhas fumegantes e um sorriso irônico nas entrelinhas, muitas vezes voltado para si mesmo.
Escrito entre sessões sonolentas no tribunal, não é um livro de receitas, embora as tenha aos montes. É recheado, isso sim, de anedotas, aforismos, memórias, reflexões filosóficas, ponderações científicas e uma aguda percepção do desejo como traço de identidade, como notou Roland Barthes.
A fome e a sede, formas imperiosas de desejo, são tratadas par a par com a sociabilidade, a medicina caseira e o erotismo (vide o capítulo sobre as trufas), e destrinchadas em todas as variantes e graus possíveis. Como comer uma ave de caça com penas, bicos e entranhas? Está lá. Como beber industrialmente e permanecer de pé? Sorva, não vire. Percebe-se que pó do que um dia foi Epicuro tempera cada página.
No breve texto sobre bebidas fortes, o autor, que à época preferiu ficar anônimo, afirma que "o álcool é o monarca dos líquidos e leva o paladar a seu mais alto grau de exaltação: suas diversas preparações abriram novas fontes de prazeres."
Faixa-preta no savoir boire, Balzac, que assim como o sensualista Savarin, "bebia seus convidados para debaixo da mesa", assinava embaixo. A ponto de ter escrito, antes da "Comédia Humana", um apêndice à obra do mestre. Seu "Tratado dos Excitantes Modernos" versa com estilo sobre o açúcar, o café, o fumo, o chá e a aguardente ou álcool, os quais consumia como se não houvesse amanhã. Baudelaire, ainda que crítico ao fisiologista do gosto, seria o próximo, ao decodificar o estímulo aos sentidos em seu "Paraísos Artificiais".
Jean Anthelme Brillat-Savarin, autor também de um ensaio sobre duelos, estudos sobre economia política, arqueologia e direito, e uma novela erótica, faria 267 anos neste sábado, dia 2. Entre os restaurantes que mapeou, no centro de Paris, ergueu-se a Torre Eiffel, no centenário da Revolução, há precisos 133 anos. Datas que pedem um coquetel específico. A ser sorvido.
LA TOUR EIFFEL
Ingredientes
- 75 ml de conhaque
- 15 ml de Cointreau
- 15 ml de Suze (na falta, use 7,5 ml de Lillet e 7,5 ml de Campari)
- 5 ml de absinto
Passo a passo
Mexa os ingredientes com gelo e coe para uma taça flute gelada.
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