Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

No Oscar 2022, 'Licorice Pizza' tem personagem que merece um coquetel

Jovem vivida por Alana Haim, de um carisma desengonçado, inspira martini com tudo o que tem direito

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A impressão é de um museu de cera vivo, em que todos portam um sorriso preso com durex. Imóveis em suas poltronas e enfeitados pelas marcas mais famosas, são o retrato da civilização.

Chegamos até aqui, esse é nosso apogeu. A conquista de um semideus de ouro é o espelho da excelência. Neste domingo, como em 93 anteriores, estaremos representados por essa aristocracia de Oz, que irá reagir olimpicamente, com risadas bem dosadas, às provocações do apresentador e a eventuais frustrações no anúncio dos vencedores.

Alana Haim e Cooper Hoffman em "Licorice Pizza", filme de Paul Thomas Anderson
Alana Haim e Cooper Hoffman em 'Licorice Pizza', filme de Paul Thomas Anderson - Divulgação

A uma distância estratégica, porém, há um bar invisível para as câmeras, onde Streeps e Clooneys podem aliviar a pose e a chatice com champanhe e martinis, além de destilar venenos como todo mortal. Do outro lado do balcão, os barmen são leais repositórios de confidências: se ouvem alguma coisa, guardam para si.

Em anos anteriores, em meio aos coquetéis clássicos, servia-se o Chardonnay californiano do diretor Francis Ford Coppola, numa garrafa dourada. Tinha a utilidade de inverter a alquimia e transformar ouro em algo mais precioso.

Neste ano, o espírito das libações oficiais será o Fleur de Miraval, champanhe produzido por famílias francesas ancestrais, em sociedade com Brad Pitt. Assim como Coppola, mas com menos talento, o ator dourado já recebeu seu Oscar. Virou borbulha, para alegria dos convidados à cerimônia.

"Drive My Car", "Ataque dos Cães" e "Licorice Pizza", candidatos ao prêmio principal, são filmes puro malte, os melhores do ano. Têm em comum que tratam das complicadas relações amorosas, em gradações que vão do humor leve à tragédia greco-caubói.

O longa de Paul Thomas Anderson se passa nos anos 1970, década de coquetéis com nomes sutis como slow screw, screwdriver e pink squirrel. Nas discotecas, reinavam a vodca e o Galliano. Do alto dos sapatos plataformas, a cafonice tinha sua elegância.

A dupla de protagonista se desencontra entre o tiroteio dos fliperamas e a navegação nos colchões d'água, sempre correndo nas ruas, como se estivessem num longa colorido da nouvelle vague.

Quando ela —Alana Haim— vai tomar drinques com um canastrão —Sean Penn—, fica encantada e confusa diante do rosto cheio de linhas, que parece uma página escrita. Homens decapitados no Congo, os mistérios de Kuala Lampur, o inimaginável no Vietnã. O que ele não viveu?

Hipnotizado por si mesmo, Jack Holden mal percebe a presença da candidata a atriz. E, sujeito sem meias-taças, pede logo quatro martinis. Na mesa oposta, Gary —Cooper Hoffman— observa tudo com "olhos de assassino". Adolescente ferido, pede número igual de drinques. No duelo de tim-tims, é o espectador que fica embriagado, mesmo que o histriônico Tom Waits esteja berrando no ouvido.

Dez anos mais velha que Gary, a sexy e insegura Alana encontra-se também com um candidato a prefeito, jovem e idealista, que a manipula. No restaurante, um garçom com sotaque francês pergunta: "vodca ou gim?" Distraída, ela responde: "vodca-gim". "Com azeitona ou limão?", continua o garçom. "Sim", diz Alana, deixando a escolha no ar.

Como assim? Um martini "whatever"? De qualquer jeito? A disputa sobre como fazer o melhor martini é famosa. Com seu carisma desengonçado e uma beleza desconcertante, Alana está acima dessas miudezas e, por tabela, do jogo mesquinho das aparências.

Daí que "the cocktail goes to":

ALANATINI

Ingredientes

  • 45 ml de gim
  • 30 ml de vodca
  • 15 ml de vermute seco

Passo a passo

Mexa os ingredientes com gelo e coe para uma taça gelada. Complete com uma azeitona e uma casca de limão

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