Em 2004 Thomas Pynchon participou de dois episódios dos "Simpsons". Fiel à famosa reclusão, seu avatar animado aparece com um saco de papel na cabeça, dois furos para os olhos e uma interrogação na altura da testa. A voz é dele, mas os cabelos, quanta diferença.
Marge escreve um livro e ele assina um elogio de grego na contracapa: "Thomas Pynchon adora este livro tanto quanto gosta de câmeras". Em seguida grita para os carros indiferentes na rua: "Ei, quem quer uma foto com um autor recluso? A promoção vale até hoje!".
Só existem sete fotos publicadas do escritor, daí a ironia. Em quase todas vemos um sujeito jovial, com sorriso de coelho e ar meio ingênuo. Difícil acreditar que seja um fabulista da paranoia, fechado em seu mundo.
No outro episódio, ele experimenta um salgadinho oferecido por Lisa. Diz: "Que V-lícia, vou colocar no Livro de Receitas do Arco-Íris da Gravidade!". Nerds tiveram orgasmos com as menções cifradas a dois de seus romances. O nível dos trocadilhos é de quinta série. Não teria graça de outro jeito.
Pynchon faz 85 anos neste domingo. Como o Velho Guerreiro, não está aí pra explicar, mas pra confundir.
O curioso é que o Frankenstein de Glen Clove, parente distante do Vampiro de Curitiba, criou de fato mil misturebas, a ponto de um ubernerd australiano, professor de robótica, dar-se ao trabalho dipsomaníaco de listar todas as bebidas reais e imaginárias citadas em seus caudalosos romances.
O resultado está no blog Drunk Pynchon, lançado dez anos depois da aparição nos Simpsons. São 348 drinques servidos em nove livros.
Deve ser algum tipo de recorde. Faz sentido. A literatura de Pynchon é mesmo um gigantesco coquetel de ingredientes da contracultura, personagens bizarros, tramas tresloucadas, neologismos e narradores de todo tipo. Vai da comédia pastelão ao lirismo imagético.
Em seu blog, Michael Horn não apenas catalogou as estranhas concocções, como já experimentou cerca de cem delas. Chegou a viajar para o Quirguistão em busca do kumis, bebida feita com leite de camelo fermentado, tomada por um espião soviético em "O Arco-Íris da Gravidade". É a cerveja da Ásia Central.
Entornou facilmente sazeracs, old-fashioneds e tequila sunrises, coquetéis clássicos que fazem pontas nas entranhas pynchonianas. Mas o que dizer da poção de Gwenhidwy, outro personagem do "Arco-Íris"? Trata-se de álcool de cereais com "caldo de carne, groselha, xarope para tosse, infusões amargas de escutelária azul que provocam arrotos, raiz de valeriana, agripalma e cipripédio, o que tiver à mão, na verdade" (a tradução hercúlea é do excelente Paulo Henriques Britto). Gargântua, que já nasceu pedindo cerveja, teria adorado.
Em "V.", por sua vez, os personagens estão diante da última garrafa de vodca, decidindo o que misturar com ela. A festa praticamente acabou, mas não a sede: "experimentaram leite, sopa de legumes e o suco de um pedaço de melancia seco que era tudo o que tinha na geladeira. Tente espremer uma melancia em um copo quando seus reflexos não estão muito bons. É quase impossível".
Os gim marshmallows, torpedo juices e mamajuanas provam que nada ou quase nada é impossível no bunker alcoólico de Pynchon.
Tequila Sunrise
Ingredientes
• 60 ml de tequila branca
• 120 ml de suco fresco de laranja
• 7,5 ml de grenadine
Passo a passo
Coloque primeiro a tequila e o suco num copo highball com gelo e depois o grenadine. O xarope vai se depositar lentamente no fundo, criando um efeito degradé --daí o nome.
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