Datas e efemérides existem para que possamos brindar e beber —o resto é secundário (e eventualmente bem-vindo). É provável que alguém tenha dito isso, com outras palavras.
O próprio Stravínski, cujo nascimento é celebrado neste dia 17, poderia tê-lo dito. Era, afinal, um dândi espirituoso, afeito a belas roupas, belas artes e um bom uísque.
Declarou gostar tanto dessa venerável invenção escocesa, que seu nome poderia ser Stra-uísque.
Teria 140 anos. É possível imaginá-lo em alguma calçada cosmopolita, com seu corpo comprido e elástico, levado pelo majestoso nariz. Ao ver uma mulher cubista, atravessando a rua com o rosto desencontrado, pararia para tomar um trago, direto da garrafa que sempre levava no bolso do fraque.
Poucos compositores de música erudita tiveram tanta popularidade e exerceram tamanho fascínio. Entre seus fãs e amigos estavam Debussy, Proust, Joyce, Gertrude Stein, Disney e Coco Chanel, com quem teve um caso.
Charlie Parker, ao vê-lo numa mesa do lendário Birdland, em Nova York, tocou algumas notas do "Pássaro de Fogo". Stravinsky, surpreendido pela homenagem, cuspiu o uísque, na descrição de Alex Ross.
O crítico musical também conta, em "Ruído", livro imprescindível, como foi a estreia de "A sagração da Primavera", obra-prima do compositor russo. Paris, final de maio de 1913: "Dos camarotes, onde sentavam os espectadores mais abastados, vinham urros de desaprovação. Os estetas dos balcões e dos lugares de pé urraram de volta. Eram matizes da luta de classes".
Deve ter sido um terremoto, as poltronas tremendo com a brutalidade rítmica do espetáculo, que tinha ainda a coreografia ousada de Nijínski. As penas de avestruz na cabeça das madames talvez tenham voado a cada pisada no palco das bailarinas e bailarinos de Diaghilev. A personagem central, surgida num sonho do compositor, era obrigada, num rito pagão, a dançar até a morte.
Stravínski foi comparado ao parceiro de bebedeiras Picasso, com quem trabalhou no balé "Pulcinella". Inquietos, buscavam o zeitgeist na nascente. Assim como o gênio espanhol passou pelas fases azul, rosa, cubista, primitiva etc., o gênio nascido à beira do mar Báltico, filho de um barítono de origem aristocrática, foi da exuberância percussiva ao neoclassicismo, chegando ao dodecafonismo.
Misturava canções do folclore eslavo a tinturas de jazz, tímpanos retumbantes ao grito estranho de tubas e trompas. No melhor de sua obra, teria compreendido intuitivamente as batidas irregulares e hipnóticas da música africana, sob as quais fez correr o rio da vanguarda europeia dos anos 1910 e 1920, quando o mundo parecia explodir, de violência ou prazer.
Falante e animado, não se furtava a tomar sua bebida favorita na situação que fosse, o que incluía a cama (como atestam algumas fotos divertidas). Era de se esperar que preferisse vodca, mas não. Por outro lado, é possível que não gostasse de misturar seu uísque com outras bebidas. Atitude comum entre os apreciadores do malte, até porque são relativamente poucos os bons coquetéis que têm como base o néctar das Terras Baixas.
Um dos melhores, senão o melhor, é o affinity, que teve seu auge justamente quando o jovem Stravinsky deixava Paris boquiaberta, dividida entre aplausos e apupos.
Affinity
Ingredientes
- 50 ml de blended scotch whisky
- 25 ml de vermute seco
- 25 ml de vermute doce
- duas espirradas de bitter de laranja
Como fazer
Mexa os ingredientes com gelo e coe para uma taça coupe. Decore com um twist de limão siciliano.
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