Existem romances que são banquetes. No caso de "Poeta Chileno", de Alejandro Zambra, o banquete, além de amplo, no sentido de riqueza literária, é literal.
Pois são inúmeras as menções a comidas e bebidas típicas do Chile, país espremido entre a cordilheira dos Andes e o oceano Pacífico. Menções que vão muito além do pisco sour. Os poetas de lá são, afinal, "bons de copo e especialistas nos altos e baixos do amor", na ótima tradução de Miguel Del Castillo.
A peculiaridade geográfica parece ter marcado a identidade de seus habitantes, que têm um pendor raro para a poesia, como demonstra Zambra, detetive selvagem. Talvez porque estejam suspensos entre o mar profundo e as alturas nevadas.
Até os nomes das comidas, no livro, soam poéticos: chirimoyas alegres, dobladitas, porotos granados, piures, cochayuyos, chacareros. No campo das libações e seus ramos, há a palavra hachazo, machadada ou ressaca.
Para o pequeno Vicente, as livrarias são "zoológicos de escritores". Outro personagem brada que o Chile ganhou duas Copas do Mundo de poesia, referindo-se aos Nobel recebidos por Pablo Neruda e Gabriela Mistral.
A simpatia de Zambra, no entanto, está com o antipoeta Nicanor Parra. Ele faz ponta numa cena divertidíssima, assim como sua irmã, Violeta Parra, maior cantautora da América Latina. Num clique, aparecem tomando vino navegado, vinho quente com casca de laranja, cravo e canela.
O desfile de poetas e leituras é contínuo e entusiasmado. Vai de Enrique Lihn a Idea Vilariño, de Emily Dickinson a Gonzalo Millán, com alguns acenos para grupos pop dos anos 1980, como Los Prisoneiros e Los Bunkers. Fica a vontade de conhecer tudo.
Versos, aqui e ali, surgem como temperos ou molduras para cenas de encontros e desencontros, sexo e paternidade. Também para a própria discussão sobre ler e escrever. "(...) as palavras doem, vibram, curam, consolam, repercutem, permanecem."
A sombra de Pinochet se insinua e algumas manifestações políticas e identitárias aparecem de fundo. O autor e os personagens principais são progressistas com naturalidade desarmada.
A ironia é gentil, a melancolia é resignada e o humor é criativo. Dão o tom. O ritmo, sem sobressaltos estilísticos, segue no mesmo passo da vida.
Logo nas primeiras páginas, o poeta e professor de literatura Gonzalo vai a um motel, "espelunca sórdida que fedia a incenso", com a namorada, Carla. O cardápio oferece dois coquetéis do país. Embriagados um pelo outro, dispensam os drinques.
Mas o registro pisca. Um deles é o pichuncho, basicamente pisco com vermute doce, que pode ter variações, com o acréscimo de angostura ou vermute branco, além de xarope de açúcar.
O outro é o piscola, mais popular. O nome entrega: pisco com coca-cola. Poderia chamar Chile libre. Mais adiante, quando Carla viaja com amigas para "pensar na relação", aparece a fanschop, refrigerante de laranja e cerveja.
As bebidas, explicadas em notas pelo editor Emílio Fraia, espelham as situações. Num momento de confusão emocional, a jornalista Pru alterna goles de sopa quente com "tragos longos de cola de mono", mistura gelada, que leva pisco, leite, açúcar, café e canela.
Fiquemos com o bom pichuncho. E com a poesia, essa "vaga capacidade de asas", tão "irracionalmente relevante".
Pichuncho
Ingredientes
- 60 ml de pisco
- 25 ml de vermute doce
- 15 ml de vermute branco
Passo a passo
Bata os ingredientes com gelo e sirva numa taça martini ou num copo old-fashioned com gelo. Finalize com uma casca de laranja.
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