Daniela Lima

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Descrição de chapéu Eleições 2018

Pirro às avessas

Lula calcula que deve perder agora para abrir margem a uma vitória em outubro

Ao registrar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, nesta quarta-feira (15), o PT abre nova e aguda fase de embate com o Judiciário, reafirmando tática que foi adotada pelo ex-presidente desde que ele entrou na mira da Lava Jato.

A opção pelo confronto foi consciente e pragmática. Numa tentativa de dar sobrevida política ao partido que criou e ao próprio legado, Lula decidiu esgarçar todos os fios de sua relação com a Justiça, sacrificando as remotas chances que teria de deixar a cadeia cedo ou de contar com alguma boa vontade no Tribunal Superior Eleitoral.

O petista sabe que irrita os ministros e abre espaço para respostas extremadas e céleres quando coloca o TSE contra a parede ao mesmo tempo em que arquiteta a própria substituição na corrida pelo Planalto de dentro da carceragem da Polícia Federal.

Mas é preso, derrotado dia após dia nos tribunais, que Lula mantém vivo o discurso de que é vítima do que chama de “caçada judicial”.

O ex-presidente, que se comunica com parcela expressiva do povo como poucos, tem ciência de que, por si só, o fato de ele estar na cadeia enquanto outras cabeças coroadas circulam pelos corredores do poder alimenta em seus simpatizantes desconfianças de um tratamento desigual.

Lula sabe que suas chances de continuar na disputa presidencial são praticamente nulas. Sabe que não sairá da cadeia este ano, em meio ao debate eleitoral. Sabe que toda vez que ataca o Judiciário estrangula o discurso daqueles que, em análise fria, apontam atipicidades no caso que o levou para a prisão. Ele sabe.

O ex-presidente faz o que faz em nome de um projeto de poder muito bem estruturado na cabeça dele. Vai esticar sua presença virtual na disputa até o limite, seja brigando com o TSE, com Sergio Moro, com o Supremo, com tudo. 

Então não seria melhor a imprensa ignorar a estratégia manjada do PT? É mais um risco que Lula corre, mas ele não está lançando mão de artifícios inéditos —muitos políticos se mantiveram por décadas longe dos presídios e perto das urnas usando uma infinidade de recursos e mecanismos similares.

Além disso, não se tem notícia de outro presidiário que tenha conseguido arregimentar milhares de apoiadores para, em marcha, levar seu nome à Justiça Eleitoral porque os limites da cela o impedem de fazê-lo com as próprias pernas.

Em alguns estados do Nordeste, Lula ainda ostenta 60% da preferência dos eleitores. Mesmo preso, tem 30% dos votos, em média, nas pesquisas nacionais, como apontou o Datafolha. Seus eleitores —e os motivos que os fazem apostar que alguém de dentro da cadeia possa projetar a imagem de dias melhores— não podem ser ignorados.

Nada disso deve influenciar a aplicação da lei sobre o petista, que precisa responder à Justiça como qualquer outro cidadão alvo de denúncia ou processo, mas também não pode escapar à análise da narrativa que ele, uma das principais forças políticas do país, tenta impor à eleição.

Lula vai cumprir todo o calvário jurídico, sim, mesmo sabendo que a derrota é dada como certa. Fará isso para tentar criar uma narrativa capaz de ungir o nascimento de sua nova persona —hoje inseminada em Fernando Haddad. Calcula que deve perder agora para abrir margem a uma vitória em outubro.

A grande dúvida é se a aposta de risco que o PT abraçou por determinação de seu líder dará certo. Os principais rivais da sigla apontam que o tempo é escasso e que o partido precisaria de um milagre para transferir a maioria dos votos do ex-presidente para Haddad.

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