Daniela Lima

É editora do Painel.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Daniela Lima
Descrição de chapéu Eleições 2018

A parábola da ovelha perdida

Indicado por Lula, Haddad prega o resgate do sistema que outrora havia descartado

Tal é a confusão na eleição que, neste momento, não há exagero em dizer que o PSDB de Geraldo Alckmin torce por uma rápida ascensão de Fernando Haddad (PT), o herdeiro de Lula, nas pesquisas sobre a disputa presidencial. Só esse movimento, avalia a cúpula da campanha tucana, abrirá caminho para que se possa iniciar a pregação pelo voto útil contra Jair Bolsonaro (PSL), o líder das pesquisas.

O entrave para o cenário dos sonhos de tucanos e petistas —que, por óbvio, também torcem pelo crescimento de seu neocandidato— tem nome e sobrenome: Ciro Gomes (PDT). Enquanto o PT encenava uma batalha que sabia perdida nos tribunais pela candidatura de Lula, o pedetista se apresentou ao eleitor e ganhou musculatura em ala da esquerda que desconfiava da estratégia kamikaze arquitetada pelo ex-presidente.

Ciro sabe que, agora, é ele a bola da vez, mas tentará conter a ofensiva que se avizinha nos campos onde conseguiu fincar estacas. Vai exibir o Nordeste em sua propaganda eleitoral, apresentar-se como o filho legítimo da região, tratar Haddad como uma Dilma Rousseff (PT) de calças. Vai semear a desconfiança para segurar o eleitor que, neste momento, não vê viabilidade no projeto de Lula e aderiu ao do PDT.

Não será tarefa fácil. Haddad ainda não despontou nas pesquisas, mas mesmo sendo apresentado de maneira mambembe no horário eleitoral, avançou de 4% para 9%, segundo o último Datafolha. E é só agora, com a pista liberada pelo ex-presidente, que a máquina petista vai entrar em cena.

Quem aposta nas brigas internas do PT e na falta de interlocução do escolhido de Lula com setores importantes do partido deve lembrar o que está em jogo nesta eleição na cabeça dos petistas: a chance de pôr em xeque a narrativa gestada sob o manto da Lava Jato há quatro anos e cujo ponto alto foi a prisão de seu líder máximo. Não se engane: o PT vai para a guerra.

E se, por um lado, a demora do partido em vestir Haddad de candidato deu tempo para Ciro mostrar suas garras, por outro, o intervalo serviu para que Lula resgatasse seu afilhado de um profundo desencanto com o sistema político e com o próprio partido.

O Haddad que deixou a Prefeitura de São Paulo em 2016 derrotado no primeiro turno por João Doria (PSDB) era um homem amargurado, impaciente, descrente e incapaz de qualquer autocrítica. 

Profundamente questionado pelos companheiros de partido no estado, pensou em deixar o PT —embora negue. 

Haddad culpava Dilma pelas mazelas de sua gestão, pela falta de dinheiro, pela impopularidade. Sentia-se contaminado pelos erros da petista, em especial na política de preços dos combustíveis que, avaliava, desaguou nos protestos de junho de 2013, dos quais ele foi o primeiro alvo, levando pancada da qual não conseguiu se recuperar.

O homem que se apresenta para a disputa hoje é outro e está em boa fase. Lula reaproximou Haddad do partido entregando a ele, de dentro da prisão em Curitiba, a missão de formular o plano de governo do PT. Haddad adora teorizar. Foi fisgado. E então Lula cercou sua criatura com tutores de sua confiança —Ricardo Berzoini e Sérgio Gabrielli, para ficar em dois exemplos.

Esses, por sua vez, abriram espaço a Haddad dentro do PT e, talvez a contragosto, fizeram o partido engolir o afilhado rebelde de Lula. 

O candidato que se posta agora diante do eleitor petista prega o resgate de uma política que outrora ele mesmo havia descartado. 

Aliados de Ciro acham que os lulistas não vão engolir a troca tão fácil. Haddad não é Lula, eles dizem, não soa como Lula, não pensa como Lula. Creem que o eleitor vai sentir a diferença de olhos fechados. Vai?

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.