Daniel Furlan

Ator, comediante e roteirista, é um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o programa "Choque de Cultura".

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Daniel Furlan

Como um castelo de areia

Um rancor bem guardado requer disciplina e pode ser muito recompensador

Hoje quando der meia-noite, cuidado para quando encontrar na rua aquele conhecido da adolescência que você sempre odiou, não acabar desejando feliz Ano-Novo na hora da virada só porque você estava feliz no momento. Se há alguma coisa da qual não podemos voltar atrás é ter sido legal com alguém que não merece. Um rancor bem guardado requer disciplina e pode ser muito recompensador.

Hoje quando der meia-noite, se for andar pela praia em meio à embriaguez, tente não destruir castelos de areia das pessoas cuja profissão é fascinar estrangeiros em busca de turismo sexual com seus castelos de areia. Até porque "como um castelo de areia" promete ser a metáfora do verão pela facilidade em ser adaptada a qualquer conversa sem necessidade de esforço. "Seus sonhos vão desabar como um castelo de areia"; "O Ano-Novo dobra a esquina como um castelo de areia que se forma na margem"; "Esse pão de queijo está farelento como um castelo de areia, onde você comprou?" Enfim.

Ilustração de Luciano Salles para coluna do Daniel Furlan de 31.dez.2018.
Luciano Salles

Outro dia vi alguém falando na televisão que tinha certeza que o Ayrton Senna estava lá de cima tomando conta da gente. Não há informações totalmente confiáveis sobre quem administra a Terra de um possível plano metafísico, mas vejo menos sentido ainda nessa função ser delegada a ex-atletas. Portanto hoje, quando der meia-noite, lembre-se de que as estrelinhas lá no céu não estão ali por sua causa e nenhuma delas é o Ayrton Senna tomando conta de você, recompensando seus bons atos e muito menos punindo quem age de forma reprovável. Ou, se fosse, estaria fazendo um péssimo trabalho, não é mesmo? Talvez então faça um pouco de sentido ser um ex-atleta.

De qualquer forma, se pararmos um pouco, é possível sentir esse grande vazio que somos nós e essa grande tempestade de aleatoriedades que é o Universo. Claro que é concebível uma explicação lógica para tudo, da mesma forma que o Zagallo consegue enxergar o número 13 em todas as situações —sempre favoráveis a ele, é claro. Como um castelo de areia.

Mas, acima de tudo, todo mundo já sabe que o Ano-Novo acontece antes na Austrália, portanto pelo amor de Deus parem com essas reportagens.

(Em janeiro esta coluna entrará em férias, portanto procurem em vão significado para o vazio da existência em outros lugares. Até fevereiro.)

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