Daniel Furlan

Ator, comediante e roteirista, é um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o programa "Choque de Cultura".

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Descrição de chapéu

Trapos de imundície

Permanece imóvel no carro, onde gostaria de estar bebendo e dirigindo

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Terminado o delírio de mau gosto que foi a Copa América e, consequentemente, nossa transmissão pelo “Falha de Cobertura”, sinto-me na obrigação de aproveitar o uso do termo “trapos de imundície” durante uma narração para exaltar a origem da expressão.

Vou perder a oportunidade de enaltecer a Bíblia, que é de onde esses termos normalmente vêm, até porque na verdade fiquei marcado por essas palavras há alguns anos em “É Deus, Mamãe” (entre outras denominações não oficiais), um vídeo de YouTube já bem manjado, inclusive abordado em uma coluna do Caetano.

Ilustração
Cynthia Bonacossa/Folhapress

Mas não há aplauso que seja excessivo no que diz respeito a essa obra-prima. Até porque, por incrível que pareça, casais continuam se reproduzindo, seres humanos continuam nascendo e novas levas de juvenis continuam chegando, de modo que não seria estranho jovens entrando em contato pela primeira vez com essa preciosidade. Se até Tarantino é desconhecido para alguns, que usam a juventude como desculpa para não saber de quem se trata (da mesma forma que os mais velhos usam terem sido jovens como desculpa abominável para terem gostado de Legião Urbana), por que não desconheceriam “É Deus, Mamãe”?

O vídeo é impecável em cada personagem: o condutor, um verdadeiro maestro do audiovisual, consegue harmonizar distanciamento irônico com um envolvimento tão profundo e sincero com a epifania religiosa da mãe que é impossível dizer se tratar de uma atuação irrepreensível ou simplesmente de uma sinceridade brutal; a mãe, desmoronando emocionalmente diante dos nossos olhos em seu confuso e contraditório fervor religioso, segura as próprias calças numa metáfora sutil e poderosa; e, não menos importante, a mal-humorada criança obesa que, picada por algum inseto, a contragosto permanece intrigantemente imóvel no carro estacionado, onde certamente gostaria de estar bebendo e dirigindo como os adultos do vídeo, mas limitando-se a conduzir a trilha sonora obviamente gospel que serve 
de gran finale para tantos acontecimentos mágicos.

Tudo ali beira a perfeição: os diálogos, a locação, o figurino e a oportunidade de merchandising de cerveja.

Mas é a visão devastadora e inconfundível da verdade que arremessa “É Deus, Mamãe” para além do bom e do ruim, colocando-o na categoria de hipnótico.

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