Depois de dar alta a mim mesmo na terapia na pré-adolescência por causa de uma reação demente do meu psicanalista demente ao uso de um brinco, minhas crises passaram a ser lidadas de forma muito mais lúcida: passei a ser encaminhado a astrólogos —que costumam acertar muito mais.
Até recentemente, minha mãe, que inclusive é astróloga, decidiu que eu não estava bem e marcou um novo astrólogo para me atender. Tentei resistir, mas o argumento de que “já estava pago” me deixou sem alternativas.
Na consulta, descobri que trabalharei muito até os 50 anos, quando abrirei uma pousada destinada a esportes radicais, em especial o bungee jumping. Para quem não está familiarizado, esse esporte consiste em amarrar um elástico no tornozelo e se atirar de um lugar alto o suficiente para provocar a morte do atleta caso algo dê errado.
O fato é que se cheguei bem, acabei saindo em crise diante do futuro aterrador que me espera. Decidi então focar nas crises físicas, em especial labirintites e enxaquecas, que me assombram com alguma frequência. Numa das piores, fui parar no hospital para uma tomografia. Após horas de espera e dores agonizantes dentro da cabeça, o médico voltou com o exame nas mãos e uma expressão estranha no rosto: “Apareceu uma manchinha aqui”. Mas é um tumor? Como assim, uma manchinha? Isso é um termo médico? Eu sofro de manchinha na cabeça? “Daqui a pouco o especialista vai te ver. Se Deus quiser, não é nada.”
Que espécie de prognóstico médico é esse baseado nos humores de Deus?! Que ciência é essa? Onde eles conseguem esses diplomas?! Ironicamente, enquanto o pesadelo perdurava em mais um par de horas na espera pelo tal especialista, me pus a fazer promessas aos céus caso fosse milagrosamente curado da manchinha cerebral.
Fui atendido pelo especialista que, sem nunca me olhar, sinalizou para que eu entrasse. Com os olhos no exame, após algum tempo de análise, ele finalmente levantou o rosto e apontou, com o queixo, para o meu brinco. “Você tirou esse brinco antes do exame?” Não, a tarraxa devia estar emperrada, nem meu psicanalista imbecil conseguiu tirar. “Então, essa é a sua manchinha”, ele disse me devolvendo o exame e voltando a olhar para outro lugar, sem saber que tinha acabado de presenciar um milagre.
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