Daniel Furlan

Ator, comediante e roteirista, é um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o programa "Choque de Cultura".

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Daniel Furlan

Última coluna

Me cansei de ter esperança e empurrei a porta com força

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Quando meus dentes eram de leite, os incisivos superiores eram separados pelo que adulto aprendi chamar-se diastema, alvo do meu ódio mais sincero. Talvez para me consolar, minha mãe dizia que os dela de leite também eram separados e os definitivos nasceram juntos, e essa era a esperança que me movia todos os dias, até que me cansei de ter esperança, amarrei a ponta de uma linha no dente, a outra numa maçaneta e empurrei a porta com força. Bum. Sangue. Glória. Sonho de um novo tempo. Mesma coisa no outro dente. Bum. Agora era só esperar os definitivos crescerem numa simetria perfeita e ser feliz. Desnecessário e previsível dizer que os definitivos também nasceram separados.

Há pouco mais de um ano, fui convidado para escrever essa coluna e lembro que me sentia em ebulição de ideias. De cara já tinha sete textos prontos na cabeça, o primeiro escrito numa respirada num caderno no táxi. Entretanto, depois de abrir as anotações só consegui compreender algumas palavras que não faziam sentido entre si, como “saxofone”, “Mauro Silva em 94”, se é que era isso que realmente estava escrito. Esses registros são como hieróglifos egípcios, tem que aceitar que uma pequena parte é compreendida, mas a maioria simplesmente se perde para sempre. 

Ilustração para a coluna de Daniel Furlan de 16.set.2019
Cynthia Bonacossa

Outro problema foi que as sete primeiras ideias que minha suposta mente em ebulição tinha eram só essas sete mesmo, de modo que depois de um mês e meio percebi que não tinha mais nenhuma ideia sobre nada para sempre.

Felizmente, foi considerado entretenimento por alguns as minhas deturpadas memórias de humilhações da infância/juventude escondendo o aparelho móvel para tentar o primeiro beijo, sendo reprovado no psicotécnico no Detran e no exército, abordando um senhor qualquer na rua achando que era o ex-jogador Evaristo de Macedo, sendo DJ de colação de grau, apanhando na escola, sendo mordido por um cachorro na cara ou comendo brigadeiro da bandeja de estranhos (essa tem pouco tempo).

E assim termina a jornada de 13 meses e meio da coluna, subitamente, como se tivesse sido arrancada por uma maçaneta de uma porta batendo. Na verdade não é bem assim, possivelmente pintarei por esse jornal mesmo num ou outro caderno em colunas esporádicas. Então nem fez sentido essa metáfora. Até a próxima.

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