Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

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Deborah Bizarria
Descrição de chapéu Folha Mulher

Governo perde oportunidade de combater desigualdade de gênero a sério

Políticas precisam incluir os pais nos cuidados dos recém-nascidos

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Nesta semana, o presidente Lula disse que irá apresentar no Dia Internacional da Mulher uma proposta que pune empresas que paguem salários diferentes para homens e mulheres na mesma função. Contudo, se a medida só reforçar a legislação existente que já proíbe a discriminação salarial com base em gênero, o governo vai perder uma oportunidade de atacar as causas da desigualdade entre homens e mulheres.

O problema é real. De acordo com um trabalho realizado por Cecilia Machado, Marcelo Néri e Valdemar Pinho Neto, a disparidade de salários entre homens e mulheres fica entre 10% e 20% ao longo da carreira dos trabalhadores. E essa diferença acontece mesmo controlando todas as características observáveis que impactam a renda de cada trabalhador, como escolaridade, tempo de experiência, horas trabalhadas e ramo de atividade. Ou seja, a renda das mulheres está sendo reduzida por fatores injustificáveis.

Um elemento que não pode ser ignorado é a maternidade. Ao revisar uma série de experimentos que utilizou currículos equivalentes para homens e mulheres, Stephen Bernard e outros autores observaram que as mães eram menos propensas a serem contratadas. Ou, ainda, eram geralmente vistas como menos competentes do que as mulheres sem filhos, mas o mesmo fenômeno não ocorria com os pais. Ao contrário, os pais eram percebidos como mais comprometidos com o trabalho do que os homens sem filhos, ainda que os currículos fossem semelhantes em todas as características relevantes para uma contratação.

Esses estudos refletem os vieses sociais nos quais as mulheres é que devem necessariamente assumir mais responsabilidade pelos filhos, de forma que não conseguiriam se dedicar às atividades profissionais com a mesma eficiência. Na prática, as mães acabam carregando o fardo econômico da gestação e dos cuidados com os filhos, ainda que optem por continuar no mercado de trabalho.

Ana Carolina Ranzani, em 2017, quando, grávida, foi contratada pela Sanofi - Bruno Santos - 17.nov.17/Folhapress

O mecanismo social de "punição da maternidade" acaba compondo a desigualdade salarial de gênero, mas dificilmente pode ser resolvido com uma legislação adicional focando apenas no salário de homens e mulheres com a mesma função. Para além das políticas já existentes de licença maternidade, é importante que o governo considere buscar experiências políticas de outros países que incluam os pais nos cuidados dos recém-nascidos, como na formulação de licenças parentais que possam ser compartilhadas entre o casal.

Além disso, há setores da economia que remuneram melhor do que outros. Então, se há mais homens e menos mulheres nos setores mais rentáveis, a escolha do setor de atuação afeta diretamente os salários. Não deveríamos, então, investigar quais fatores influenciam as decisões das mulheres sobre suas carreiras?

Utilizando dados de trabalhadores americanos sobre suas preferências ocupacionais, as pesquisadoras Patrícia Cortes e Jessica Pan chegaram a algumas descobertas interessantes. Para mulheres, importava mais se o trabalho tivesse maior flexibilidade e rotina menos extenuante (possivelmente para conciliar com as atividades domésticas e familiares), além do impacto social da atividade. Também consideram se o trabalho é colaborativo —se permite mais atividades em equipe ou se o ambiente é menos competitivo. As autoras também destacam a relevância das normas sociais. Se um trabalho é considerado mais apropriado para um gênero em específico, é mais provável que essa ocupação atraia mais pessoas daquele gênero.

Ainda de acordo com o estudo, o papel desses fatores na escolha ocupacional sugere que as políticas que reduzem os estereótipos de gênero podem ser efetivas. Tais políticas incluem a exposição de mais mulheres a disciplinas tradicionalmente masculinas na escola ou esforços para incentivar a contratação de mulheres em profissões dominadas por homens no setor público. Além disso, políticas que aumentam a disponibilidade de creches e promovem a flexibilidade no local de trabalho reduzem restrições que as mulheres enfrentam ao buscar carreiras profissionais em ocupações que exigem horas contínuas de trabalho e dão maior remuneração.

Sem entender as causas da desigualdade de gênero, a tendência é que as políticas voltadas exclusivamente para o resultado de renda sejam inócuas. Em vez de medidas decorativas, é preciso seguir a direção das evidências para aumentar a liberdade das famílias na definição quanto ao cuidado dos filhos sem que as mulheres sejam punidas por isso.

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