Deirdre Nansen McCloskey

Economista, é professora emérita de economia e história na Universidade de Illinois, em Chicago

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Deirdre Nansen McCloskey

O Estado, o capital privado e as grandes obras

Obras do Estado buscam a glória em lugar do bom senso

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Acabo de passar quatro dias com minha irmã caçula descendo de barco o canal Göta, de Estocolmo, na costa leste da Suécia, até Gotemburgo, na costa oeste. O naviozinho construído em 1874 avançou pelas noites quentes, entre refeições magníficas. É uma viagem clássica para os escandinavos, e como minha irmã e eu somos um quarto norueguesas, tínhamos de fazê-la. Ficamos conhecendo a maior parte dos passageiros e tripulantes. Uma delícia.

Eclusas no canal Göta, na Suécia
Eclusas no canal Göta, na Suécia - Divulgação

Mas espere. O canal tem 190 km de extensão. Foi aberto em 1832, muito antes da invenção da pá a vapor. Cerca de 100 km usaram os lagos e rios naturais, deixando 90 km e numerosas eclusas para serem escavados por recrutas militares com pás manuais.

A justificativa para sua construção foi a de criar atividade econômica na região central da Suécia, evitando o irritante pedágio do Oresund cobrado pela Dinamarca na entrada do mar Báltico e concretizando a glória de uma grande obra pública. Em termos modernos, a justificativa foi um esforço keynesiano para gerar empregos, planejamento industrial, provisão de transporte pelo Estado, previsão estratégica. E glória para o Estado.

Nada disso funcionou. O rio natural próximo a Gotemburgo já viabilizava a atividade que era de fato lucrativa para a nação. Suas grandes eclusas foram escavadas mais tarde por pás a vapor. Mas os 90 km escavados manualmente no lado de Estocolmo nunca foram comercialmente viáveis. Hoje servem para pouco mais que cruzeiros de lazer para pessoas ricas. Obrigada.

Os canais britânicos da década de 1790 foram pagos com dinheiro particular e foram lucrativos. Nos EUA, o canal Erie, aberto em 1825, foi operado pelo Estado, mas financiado por títulos privados. Saiu-se muito bem economicamente falando. Mas todos os outros canais nos EUA, e também o Göta, foram desastres econômicos, por dois motivos. Foram obras do Estado e, por isso, a procura da glória habitualmente passava à frente do bom senso. E, como geralmente é o caso com o planejamento feito pelo Estado, partiam da premissa de que a tecnologia não mudaria. Mudou. Com a chegada das ferrovias, a maioria dos canais perdeu a razão de ser.

Se uma pessoa física aposta sua fortuna num projeto sem sentido, ela perde a aposta e o investimento é direcionado a outra coisa. Se o Estado busca a glória justificada pela bobagem usual sobre emprego keynesiano e planejamento industrial, o investimento é desviado para obras que abaixam a renda nacional. Sim à política racional contra a Covid. Não à maioria das obras faraônicas.

Onde você já ouviu isso antes? O próprio projeto de Brasília e a maioria das obras faraônicas que emanam dela hoje? Pode ser.

Construção do Congresso Nacional, em Brasília - Arquivo Público de Brasília

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