Demétrio Magnoli

Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

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Demétrio Magnoli
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro inova ao eleger o mimetismo como doutrina de política externa

Política externa como imitação

“Israel é um Estado soberano. Vocês decidem qual é sua capital e nós vamos segui-los.” A promessa de campanha de Bolsonaro, reiterada ao jornal Israel Hayom e comunicada ao governo de Netanyahu, inaugura um novo estilo de política externa. O Brasil desiste de identificar seus interesses nacionais e passa a agir por imitação. Explicitamente: “vejo em Trump um modelo a seguir”, disse o presidente eleito ao mesmo jornal. É bem mais que um giro ideológico.

O lulismo inseminou a política externa brasileira com o esperma da ideologia. Havia precedentes. No regime militar, de Castelo a Médici, importamos o compasso da Guerra Fria para nossas relações internacionais. Antes disso, entre 1961 e 1964, sob a chamada Política Externa Independente, o Itamaraty foi submetido aos axiomas do terceiro-mundismo. Lula e seu chanceler, Celso Amorim, atualizaram o manual terceiro-mundista, revestindo um antiamericanismo dogmático com a película retórica da busca de um sistema multipolar. Mas Bolsonaro inova ao eleger o mimetismo como doutrina de política externa.

Jair Bolsonaro, presidente eleito, em entrevista coletiva após almoço com o presidente do STJ, João Otávio de Noronha, em Brasília - Pedro Ladeira - 7.nov.2018/Folhapress

Na arena do sistema internacional, as nações defendem seus interesses, que ganham distintas traduções e refletem, até certo ponto, as oscilações políticas internas. Contudo, por definição, os interesses nacionais são nacionais —ou seja, nunca coincidem perfeitamente com os interesses de outras nações.

O caso da transferência de embaixadas é emblemático. Trump atende à voz da ideologia, não aos interesses dos EUA, ao transferir a embaixada para Jerusalém. Ao menos, porém, seu gesto tem impacto real, contribuindo com o projeto de Netanyahu de esterilizar a via da paz em dois Estados. Já o gesto de Bolsonaro é uma proclamação puramente simbólica, de um ator irrelevante no contexto do Oriente Médio.

Mas gera danos diplomáticos reais ao Brasil, frente à comunidade internacional, além de prejuízos para nossas relações econômicas com os países árabes.

O impulso da imitação manifesta-se também na América do Sul, onde somos o mais relevante ator regional. A seleção do Chile de Piñera e da Colômbia de Duque como parceiros prioritários desenha os contornos de um “triângulo conservador” que só serve para limitar a influência brasileira. A parceria com a Argentina cumpre funções políticas e econômicas insubstituíveis. O Mercosul continua a ser destino vital para as exportações de um setor da indústria incapaz de competir no mercado global. Ao lado da Colômbia, do Chile e da Argentina, o Peru e mesmo o Equador de Lenin Moreno, que corrigiu a deriva autoritária de seu antecessor, são peças indispensáveis na articulação de soluções para o colapso da Venezuela.

No interesse nacional, há certos elementos indiscutíveis. A China tornou-se nosso maior parceiro comercial, tanto na ponta das exportações como na das importações. Ao mesmo tempo, é fonte crucial de investimentos externos diretos e importante sócio potencial em projetos de ciência e tecnologia. O mimetismo atinge o ápice nas sugestões, oriundas de Bolsonaro e de seu núcleo de colaboradores, de que seria preciso retroceder nas relações com a China. O ensaiado recuo prejudicaria a economia nacional e entraria em choque com o objetivo declarado de aproximação com os países sul-americanos da Aliança do Pacífico. As alegadas razões de “segurança nacional” mal ocultam o alinhamento incondicional com a "guerra comercial" movida por Trump contra a potência asiática.

O lulopetismo adotou a máxima ideológica segundo a qual o que é bom para os EUA é ruim para o Brasil. O bolsonarismo não apenas inverte a máxima mas também aplica-lhe uma torção singular, proclamando que só é bom para o Brasil o que é bom para Trump. O vice-presidente Mourão anunciou o encerramento da época de “antiamericanismo infantil”. A ideia luminosa é substituí-lo por 
um ciclo de trumpismo senil.

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