Demétrio Magnoli

Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

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Demétrio Magnoli

A esquerda que elege a direita

Não por acaso, Trump acalenta o mesmo sonho dos ativistas americanos de esquerda

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Boris Johnson obteve maioria absoluta no Parlamento britânico, mas a votação dos conservadores aumentou em apenas 1,2 ponto percentual. Na raiz do triunfo, encontra-se o colapso da oposição trabalhista, que perdeu 7,8 pontos percentuais. A abstenção saltou de 22%, em 2017, para 33%, agora. Os eleitores descontentes ficaram em casa, para não votar em Jeremy Corbyn. A esquerda elegeu a direita.

Há pouco, participei de uma conferência internacional no Marrocos. Num dos painéis, dedicado à crise das democracias, uma jovem expositora, líder de uma ONG indiana, foi indagada sobre as iniciativas do governo de Narendra Modi. Ela circundou a pergunta, optando por um discurso ensaiado. Mencionou estatísticas acerca das carências da população jovem do mundo e, quase aos gritos, proferiu sucessivas exigências iniciadas sempre pela frase “Nós temos o direito” —a isso, aquilo e aquilo outro.

O “nós” da expositora significava “nós, jovens do mundo todo”. Ninguém a elegeu como representante, mas ela pratica o discurso identitário, esporte da moda. A reivindicação de direitos pertence à tradição democrática moderna, responsável pela progressiva ampliação dos direitos políticos e sociais.

Contudo, sua autoproclamada representatividade pertence a uma gramática autoritária pós-moderna. Justamente por exibir-se como porta-voz de uma vasta e heterogênea parcela da humanidade, a jovem não aceita inscrever suas reivindicações no campo das complexas transações políticas da democracia. Os berros da esquerda elegem a direita.

A revista Time nomeou Greta Thunberg personalidade do ano. A adolescente sueca acredita na ciência, ao contrário dos negacionistas que governam os EUA e o Brasil. Porém, como a jovem indiana, despreza a política, classificando tudo que fique aquém das exigências máximas do movimento ambientalista como “palavras vazias”.

Nos EUA, Trump aposta sua reeleição no “país profundo” do carvão e do petróleo. Na França, Macron tentou estabelecer uma taxa verde sobre os combustíveis fósseis, mas teve que recuar diante da pressão dos coletes amarelos. Na COP-25, não se obteve nem um acordo sobre o mercado de carbono. Greta fala só para convertidos.

Corbyn anunciou a “Revolução Industrial Verde” do Partido Trabalhista num encontro com Greta. O líder britânico joga em diversas posições. Anos atrás, enaltecia Hugo Chávez e flertava com a versão esquerdista do antissemitismo. Seu manifesto eleitoral radical, junto com suas ambiguidades sobre o brexit, provocou a maior derrota trabalhista desde 1935.

Os trabalhistas ganharam a adesão entusiasta da juventude urbana de classe média, mas romperam o diálogo com a massa de eleitores que rejeitam a velha fórmula econômica estatizante. A esquerda dura e pura elegeu um governo nacionalista, xenófobo e antieuropeu.

A esquerda americana inspira-se nos conceitos de Corbyn e no método discursivo de Greta. Os pretendentes democratas Bernie Sanders e Elizabeth Warren recusam a ideia de reforma imigratória, em nome da descriminalização da imigração ilegal e da abolição da agência nacional imigratória.

Também querem educação superior gratuita para todos e a anulação universal das dívidas de créditos estudantis. A deputada Ocasio-Cortez, ícone da ala esquerdista, rotulou a proposta de expansão dos subsídios educacionais apenas para os menos ricos, formulada pelos pré-candidatos moderados, como “conversa fiada republicana”.

A catástrofe trabalhista britânica não abalou os ativistas americanos. Presos às bolhas das suas redes sociais, eles engajaram-se na missão de torpedear os candidatos democratas capazes de conversar com os eleitores do Cinturão da Ferrugem que derrotaram Hillary Clinton em 2016. Sua chapa dos sonhos é Sanders/Warren, os heróis tribais dos campi universitários. Trump, não por acaso, acalenta o mesmo sonho.

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