No lugar dos tapumes, nasceram cercas. Na icônica praça do Pôr do Sol, zona oeste de São Paulo, as "restrições sanitárias" revelaram sua verdadeira face, de restrições sociais. Lá, a prefeitura paulistana sintetizou sua própria identidade: assim como os comunistas definem-se por meio da foice e do martelo, o poder municipal encontrou seus símbolos nas grades e nos ferrolhos.
Tapumes interditaram a praça, em abril de 2020, "com o intuito de conscientizar e prevenir a população devido à pandemia do novo coronavírus, a fim de evitar aglomerações", segundo nota da Subprefeitura Pinheiros redigida em língua vagamente assemelhada ao português.
As duas reaberturas de parques e praças municipais, em julho de 2020 e em abril passado, não se estenderam à praça do Pôr do Sol. O advento da cerca evidenciou que a saúde pública não passava de álibi: a praça está fechada para evitar a circulação de "gente estranha".
A praça atrai moradores do bairro, mas, também, pessoas da cidade inteira, além de turistas, especialmente no entardecer. O projeto, dos anos 1970, assinado pelas paisagistas Rosa Kliass e Miranda Magnoli, sofreu descaracterizações já na origem, mas conservou-se o conceito básico, de mirante aberto para o vale do rio Pinheiros que faz uso da topografia para estruturar gramados e bancos como arquibancadas de contemplação da paisagem.
O espaço abre-se em todas as direções, com acessos laterais que o conectam às ruas. A nova cerca de galinheiro, com portas aferrolhadas, configura um contraprojeto assentado nas ideias de isolamento e exclusão.
Três meses depois do início da pandemia, os epidemiologistas concluíram que são mínimos os riscos de contágio em espaços abertos. Lá fora, inúmeras cidades reabriram parques e praças, alertando apenas para o perigo de aglomerações excessivas.
Por aqui, no país cujo presidente recusa-se a usar máscara em locais fechados, prefeitos seguiram punindo os cidadãos com o cerceamento de acesso a áreas públicas abertas. Mas, na praça do Pôr do Sol, a prefeitura paulistana foi ainda mais longe, explicitando o cerne de suas políticas urbanas.
A pandemia é um período sombrio de intensificação das desigualdades, da pobreza e do desencanto. Contudo, em meio à angústia dos lockdowns, cidades europeias descobriram a necessidade de reverter a segregação socioespacial, qualificar o transporte coletivo, limitar o tráfego de automóveis, revalorizar as praças e os parques.
São Paulo, como tantas outras metrópoles brasileiras, passou longe das ideias de reinvenção da urbe. Sob a ótica da prefeitura, a cidade deve ser um campo de caça da especulação imobiliária, um espaço de gentrificação e um modelo de exclusão social. Grades e ferrolhos.
O vírus veio a calhar. Já em 2015, atendendo à pressão de um grupo de moradores do entorno, um decreto municipal da gestão Fernando Haddad reclassificou a praça do Pôr do Sol como parque, com o intuito de gradeá-la.
A ideia foi congelada na gestão seguinte graças à oposição de outra parcela dos moradores, que pretendiam conservá-la aberta, montando estrutura de limpeza e fiscalização.
O conveniente pretexto sanitário reativou a sanha exterminista: sob Covas/Nunes, do tapume à cerca, a prefeitura engaja-se num mal disfarçado sanitarismo social.
Parques distinguem-se de praças por um conjunto de equipamentos inexistentes na praça do Pôr do Sol. Mas, sempre no seu idioma peculiar, a prefeitura alega que a praça "contém características de parque", com a intenção de justificar o gradeamento definitivo.
No varejo, a mensagem do alcaide é que a praça forma uma extensão das propriedades dos residentes dos arredores, não um espaço público aberto a todos. No atacado, seu projeto é a expulsão da "gente estranha" que a frequenta para propiciar a valorização imobiliária de um amplo entorno.
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