Denise Fraga

É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

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Crédito: Zé Vicente Ilustração para a coluna de Denise Fraga de 10/04

Nunca fui boa de bola. Sempre fui uma das últimas a ser escolhida na divisão de times das brincadeiras de minha infância. Nem me vexava mais. Assistia resignada, sem ânsia pelo poder, à eterna briga dos líderes pela justa partilha. Brincar era o que todos queriam, mas o caminho para a organização da brincadeira, muitas vezes, conseguia acabar com ela.

Nunca me aventurei nas diretorias. No grêmio escolar, cheguei à módica função de escrivã das atas e, de novo, ocupei um lugar privilegiado para a observação das disputas. Vi meus amigos se pavoneando em opiniões intermináveis, enquanto eu titubeava com a caneta suspensa. Testemunhei projetos nascidos de decisões unânimes deixarem de encontrar seus caminhos para a realização, atravancados pela logística das vaidades.

Calada, eu adorava quando as rusgas chegavam ao ponto de precisarmos votar. Eu levantava o braço, orgulhosa de meu poder no silêncio. Um alívio, o voto. Quando os líderes eleitos não conseguiam tomar suas decisões, nós os ajudávamos votando nas pautas. Simples assim.

Tenho me perguntado muitas vezes porque posso pagar impostos pela internet, mas não posso usá-la para votar em como deve ser gasto o dinheiro. Se tenho senhas, tarjas magnéticas, leituras digitais e um arsenal de segurança que me permitem depositar o meu rico dinheirinho no mundo virtual, por que não posso usar as mesmas armas para dizer o que quero e o que não quero como cidadã? Será que com tamanho arsenal tecnológico, preciso, por exemplo, me subjugar a este descarado jogo político, que ultraja dia a dia a minha inteligência, me fazendo até minimizar a decepção que sinto com um governo de mãos sujas, porque simplesmente prefiro morrer a ser salva do afogamento por ameaças a nossa conquista democrática? Quero votar em decisões, não em homens. Quero reforma política. Quero orçamento participativo. Quero liberdade e justiça.

Quero saber a verdade sem rodeios. Quero confiar em juízes. Quero uma reforma radical e emergencial na educação, única saída para não repetirmos este impasse em que a pior crise é a do material humano. Utopia? Que seja. Mas preciso sentir que tenho algum poder.

Quero usar minha digital como meu braço levantado no grêmio escolar. No poder do meu silêncio. Já que todas as palavras andam destorcidas.

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