Denise Fraga

É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

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Infelizes e felizes envergonhados

Acordamos diferentes. A orfandade nos uniu. Depois de tanta eloquência em lados opostos, finalmente estamos iguais. Iguais no desamparo. Testemunhamos ao vivo, cada um de seu sofá, ou abraçados diante de telões pelas ruas, a fragilidade de quem nos representa. Roubaram a cena. Fomos dormir envergonhados. Os infelizes, envergonhados. Os felizes, envergonhados. A saída é sem saída.

Não que já não soubéssemos, mas o show foi ilustrativo demais. Um panorama jamais visto tão completo. Então são eles? São eles que elegemos para nos representar? Quando mesmo? Quem mesmo? Quantos mesmo? O da mesa não foi preso por que mesmo?

Crédito: Zé Vicente Ilustração da coluna de Denise FragaCrédito: Zé Vicente

Estamos longe, bem longe, do acerto. Acordei com mais preguiça e, no elevador, meu vizinho, que andava se portando como um oponente, já me sorri. Mais por cumplicidade do que por vitória. Parece vexado também. E triste. É que foi, mesmo, muito triste. Mesmo que com sensação de vitória para muitos, não dava pra gritar gol. As aglomerações se esvaziaram sem se estender em comemorações porque o espetáculo tinha sido grotesco.

Como um ou dois minutos podem ser tão reveladores? Tentei anotar alguns nomes. Os menos piores. Vou tentar tirá-los da lama com meu resto de esperança. Uma frase aqui, outra palavra ali, me faziam promovê-los rapidamente do inferno para o purgatório.

Que tristeza é ver papai dando vexame. Papai, sim. De alguma forma, depois de tudo o que vimos, lemos e aprendemos nos últimos meses, quando o interesse pelo cenário político cresceu a ponto de nos fazer manusear uma massa em que não ousávamos meter um dedo, depois de toda essa escola, não podemos mais achar que não temos nada que ver com esses senhores que invadiram nossos pesadelos na noite mal dormida. Temos vínculos, sim. Foram eleitos por nós. Ai, que vergonha.

Agora é nos preparar para separar joio de trigo. Se não há saída na saída, a saída é não sair. É comprometer-se com a lama. Estudar para votar. Manifestar-se pela reforma política. Educar-nos em meio ao abandono à educação. Pedir plebiscito. Estudar. Votar. Estudar. Votar. Votar de novo. De novo e de novo. Continuar estudando e votando, para, quem sabe, um dia, ver alguma luz no fim desse túnel. Ou deixá-los lá, dançando um mambo sobre nossas cabeças.

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