Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

Violência política: prioridade para a democracia brasileira

A presença de corpos indesejáveis nos espaços institucionais traz desafios para as mulheres, negras, trans e jovens eleitas

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Carmela Zigoni José Antônio Moroni

A violência política inundou o debate durantes as eleições municipais de 2020. Tanto nas campanhas quanto entre os eleitores, emergiram manifestações de gordofobia, machismo, racismo, homolesbotransfobia, sem falar no recorrente preconceito regional e de classe.

O processo eleitoral também foi marcado por ameaças e atentados, práticas comuns em um Brasil fundado no extermínio e na escravidão de povos africanos e indígenas, na política coronelista e no voto de cabresto do século 20. e que continua matando mulheres, negros e LGBTIs todos os dias.

Ana Lúcia Martins
Ana Lúcia Martins (PT) é a primeira vereadora negra eleita em Joinville (SC) - Divulgação/PT

Todos nós lembramos as imagens que foram associadas a Dilma Rousseff na campanha para o impeachment, incluindo um adesivo de carro que a colocava em posição de ser violentada. Bolsonaro foi eleito mesmo depois de agredir a deputada Maria do Rosário, dizendo que ela “não merecia ser estuprada”. Nada de novo no front?

O que há de novo é que o conceito de violência política está ganhando densidade e, com isso, as vítimas conseguem nomear os ataques sofridos, e a sociedade pode buscar mecanismos para coibir este tipo de agressão e, futuramente, até mesmo tipificá-la como crime específico.

Estudos realizados por organizações da sociedade civil vêm acumulando dados sobre o fenômeno. As organizações Terra de Direitos e Justiça Global, na pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil (2020), registram que os casos de violência política aumentaram 37% em 2020 em relação às eleições de 2016 e que a média de ataques à vida de mandatários eleitos ou pré-candidatos é de 27 casos por ano, sendo que, em 63% dos casos, o agente da violência não foi identificado, o que demonstra a imensa impunidade neste campo.

O Instituto AzMina descobriu que mulheres negras foram o principal alvo de violência política na internet durante as eleições no estado da Bahia. O Instituto Alziras analisou a situação das prefeitas e descobriu que 12% das eleitas não querem se candidatar novamente.

As dificuldades encontradas por estas prefeitas para estar na política passam por falta de apoio da família e acúmulo de trabalho, assédio (psicológico, sexual), desmerecimento de suas falas, falta de apoio dos partidos, recursos para campanhas e espaço na mídia.

Após o primeiro turno das eleições de 2020, diversos casos de violência política foram denunciados. Ana Lucia Martins (PT), primeira vereadora negra eleita em Joinville (SC), por exemplo, sofreu ataques racistas, invasão de seu perfil em redes sociais e ameaça de morte.

Outro caso foi o da deputada e delegada Adriana Accorsi, candidata à prefeitura de Goiânia (PT), ameaçada por ser policial e de esquerda. Elas fazem parte de um cenário ainda desigual na política eleitoral brasileira, embora tenha havido um discreto aumento nas candidaturas de mulheres em relação a 2016 —de 31,9% para 33,2%.

No caso de mulheres negras —de 14,7% para 16,1%. A proporção de mulheres eleitas no primeiro turno foi de 15,7%, —2,3% a mais que no primeiro turno de 2016. As prefeituras serão chefiadas por mulheres em 12,1% de municípios (659) e, destas, 32% serão mulheres negras. Das mais de 88 mil mulheres negras candidatas, 4,54% (4.026) foram eleitas (3.510 pardas e 516 pretas). Das 706 mulheres indígenas que se candidataram, 31 foram eleitas.

Outro caso que merece atenção é o assassinato de Leila Arruda, candidata a prefeita pelo PT em Curralinho (PA), vítima de típico crime de feminicídio. Seu ex-marido a atacou a facadas e pauladas poucos dias após as eleições.

Ainda que possa parecer dissociado do contexto da violência política, essas violências estão imbricadas, e, quanto mais os partidos ampliarem seus quadros de mulheres, mais terão que lidar com a violência de gênero no cotidiano da vida partidária.

Da mesma forma, quanto mais negros, mais presente será o debate sobre o racismo, sobre o medo de ser morto apenas por ser negro. As reuniões, antes dominadas pelos homens brancos, serão pautadas por outras questões, e a tomada de decisão será disputada a partir do lugar de quem é vítima do machismo e do racismo todos os dias.

A presença de corpos indesejáveis na política nos espaços institucionais traz desafios imensos para as mulheres, negras, trans e jovens eleitas, e os partidos terão que repensar a sua responsabilidade neste cenário de violências profundas. Mas este é o caminho para enfrentar as desigualdades na nossa sociedade.

Carmela Zigoni é doutora em antropologia e assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). O Inesc faz parte da ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades) José Antonio Moroni é filósofo, membro do Colegiado de Gestão do Inesc e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político

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