Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

Ascensão e queda do bem-estar e a encruzilhada brasileira

Não é o PIB de um país que explica a desigualdade, mas suas arquiteturas de proteção social

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Ao contrário do que às vezes nos querem fazer acreditar, a magnitude e perfil das desigualdades não caem diretamente do céu nem sobem diretamente dos infernos sobre nossas sociedades. Elas são resultado de escolhas que as sociedades fazem. Entre elas, a maneira como se articulam Estado, famílias e mercado na garantia de bem-estar e na proteção contra os riscos que as famílias e indivíduos estão sujeitos ao longo do ciclo de suas vidas.

Isso é o que distingue os diferentes tipos de Estados de Bem-Estar, construções históricas que definem as bases de proteção social em cada sociedade. No modelo liberal, os indivíduos dependem do mercado para acessar os serviços de educação, saúde, seguro/previdência social, dentre outros; no modelo corporativo, a proteção social fica restrita ao componente contributivo, exclusiva para aqueles inseridos no mercado de trabalho, reproduzindo as hierarquias ali constituídas; já no modelo da social-democracia, o Estado é um importante provedor desses serviços, em uma base mais universal e igualitária. Os sistemas mais universalistas de proteção social são claramente bem-sucedidos na redução da pobreza, principalmente se comparados com sistemas de matriz liberal ou residual. Não é o PIB de um país que explica a desigualdade, mas suas arquiteturas de proteção social.

No Brasil, a proteção social, de caráter residual, emergiu nos anos 1920, com a atenção aos pobres marcada pela filantropia, e incorporou princípios universalistas com a Constituição Federal de 1988, em uma perspectiva de direitos. A partir de então, foi feito um esforço de construção de um sistema de proteção social não contributivo que combinasse transferência de renda –via programas como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada/BPC– e serviços socioassistenciais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), prestados por meio de equipamentos públicos presentes em todos os municípios brasileiros. Juntamente com outras políticas desenvolvidas no período –como a valorização do salário mínimo, por exemplo– tais esforços foram responsáveis pela queda expressiva da pobreza e da desigualdade no país.

Esta trajetória, contudo, sofreu uma ruptura a partir de 2016, quando forjou-se uma coalizão política e social orientada por princípios não apenas distintos, mas antagônicos aos preconizados na Constituição. Por exemplo, a PEC 95, de 2016, limita os gastos públicos por 20 anos, afetando diretamente os investimentos em políticas sociais, o que tem produzido efeitos perversos: fome, pobreza e desigualdade social. Estes indicadores retrocederam aos valores do começo da década[1].

A justificativa para este desmonte se assenta no pressuposto da austeridade fiscal. Mas como diversos estudos apontam[2], uma política tributária progressiva poderia financiar a ampliação dos recursos investidos nas políticas de proteção, com efeitos diretos na redução das desigualdades. Existem evidências de que as inversões sociais produzem consequências no crescimento econômico –cada real gasto com transferências para os mais pobres gera um crescimento do PIB superior a R$ 1,7, dinamizando, portanto, a própria economia.

O que está na base desse retrocesso é uma indiferença aos temas da desigualdade e um retorno a uma visão liberal de proteção social, que deixa o mercado como o eixo organizador da provisão de bens e serviços sociais, enfraquecendo ainda as pautas de enfrentamento das desigualdades de raça e gênero. As escolhas são políticas, e a desigualdade pode ser enfrentada. Se o argumento ético ou a dimensão normativa de justiça não forem suficientes para pautar a defesa de políticas de proteção social comprometidas com a redução das desigualdades, que esta defesa seja então por razões mais pragmáticas, para favorecer o desenvolvimento econômico e viabilizar a manutenção do tecido social, sob pena do seu esgarçamento e da barbárie.

Carla Bronzo

Professora, pesquisadora e diretora adjunta da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro (FJP). Integrante do Observatório das Desigualdades da FJP

Bruno Lazzarotti

Professor e pesquisador da Fundação João Pinheiro (FJP). Coordenador do Observatório das Desigualdades da FJP

Matheus Arcelo Silva

Professor e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, atuando na Fundação João Pinheiro (FJP). Integrante do Observatório das Desigualdades da FJP

Marina Silva.

Graduanda em Administração pela Fundação João Pinheiro (FJP). Coordenadora discente do Observatório das Desigualdades da FJP

[1] BARBOSA, Rogério; FERREIRA DE SOUZA, Pedro; SOARES, Serguei. Desigualdade de renda no Brasil de 2012 a 2019. Blog DADOS, 2020 [2] ANFIP. A Reforma Tributária Necessária. Justiça fiscal é possível: subsídios para o debate democrático sobre o novo desenho da tributação brasileira / ANFIP – Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil e FENAFISCO – Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital. Eduardo Fagnani (organizador). Brasília: ANFIP: FENAFISCO: São Paulo: Plataforma Política Social, 2018. 56 p.

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