Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

Massacre do Jacarezinho, mais um capítulo do racismo e do genocídio negro brasileiro

Situação exige posicionamento da sociedade civil, da comunidade internacional e do sistema ONU; Coalizão Negra por Direitos convoca protestos nesta quinta (13)

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Em 1951, o movimento pelos direitos civis nos EUA acusava aquele país de genocídio de sua população negra por meio da histórica petição “We Charge Genocide”. O documento fazia um paralelo entre “o assassinato bárbaro de milhōes de judeus” e “os negros mortos por causa de sua raça”. Também na África do Sul ativistas negras e negros sul-africanos chamaram a atenção do mundo por mais de quarenta anos para o terror racial do apartheid, levando a ONU a condenar o regime em 1973 e declarar sanções econômicas nos anos seguintes.

O movimento negro brasileiro tem sistematicamente pedido a solidariedade do mundo para denunciar o genocídio antinegro colocado em curso pelo Estado brasileiro. É genocídio! Tomando a definição da ONU, da qual o Brasil é signatário, “entende-se por genocídio (...) atos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Quando se olha para o número de mortes de negros pelo Estado brasileiro, evidencia-se esse processo. Somente no ano de 2020, mais de 5.600 pessoas foram mortas pelas polícias no Brasil. Há mortes sistemáticas de jovens negros e negras nas periferias brasileiras. Pelo menos 75% das vítimas do terror policial pertencem a esse grupo racial.

A chacina do Jacarezinho contabiliza, até o momento, ao menos 29 mortes. Vidas e histórias exterminadas pelas forças do Estado, sem respeito e nenhum direito previsto em lei. Corpos cuja humanidade e cidadania são negadas na vida e na morte. Assassinatos resultantes de uma operação policial ilegal e proibida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desde junho de 2020 até março deste ano, mais de 823 pessoas foram mortas em operações policiais, mesmo com a proibição da Suprema Corte (ADPF das Favelas).

Vivemos em um país no qual amanhã poderemos estar mortos pelo fato de sermos negros. Seja pelo coronavírus, seja pela fome, seja pela bala, o projeto político e histórico de genocídio negro avança no Brasil. Mas a sociedade não acredita nisso, ou não se importa.

Em 1994, um grupo de pastores de uma pequena comunidade no interior de Ruanda escreveu uma carta ao líder de sua congregação pedindo ajuda frente ao perigo iminente. A carta, imortalizada em publicação de Philip Gourevitch, intitulada “Desejamos informar-lhe que amanhã seremos mortos”, foi ignorada. Todos foram assassinados. Mais tarde, o apelo se transformaria em uma denúncia do desprezo do mundo frente às mais de 800 mil vítimas do genocídio de Ruanda.

Até quando as manifestações, a elaboração e os apelos do movimento negro brasileiro serão ignorados? O que vimos no Jacarezinho foram execuções sumárias de indivíduos eleitos como inimigos públicos por sua origem racial. A cor dos mortos nesta e nas inúmeras operações policiais nas periferias urbanas do país revelam a prática sistemática do genocídio da população negra brasileira.

A situação exige um posicionamento da sociedade civil brasileira, da comunidade internacional, do sistema ONU e da sociedade civil global acerca do que vivemos.

Neste 13 de maio, Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo, a Coalizão Negra por Direitos, uma aliança que reúne mais de 200 organizações de todo país, convoca manifestações em todos os estados pelo fim do genocídio negro, das operações policiais assassinas, das chacinas de todo dia e pela construção de mecanismos objetivos de controle social da atividade policial.

Nem bala, nem fome, nem Covid. Queremos viver!

Não esqueceremos a chacina do Jacarezinho.

Vidas Negras Importam.

Douglas Belchior

Historiador, cofundador da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra Por Direitos

Sheila de Carvalho

Advogada, diretora de Incidência Política no Instituto de Referência Negra Peregum e integrante da Coalizão Negra Por Direitos

Jaime Alves

PhD em Antropologia e Estudos Negros pela Universidade do Texas

A Uneafro Brasil integra a ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades)

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