Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Regulamentação da Renda Básica de Cidadania: questão de direito

Decisão recente do STF é importante passo no embate jurídico para garantir uma renda universal e incondicional

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Leandro Ferreira

Presidente da Rede Brasileira da Renda Básica

Thiago Santos Rocha

Doutorando em direito constitucional pela Universidade de Ovideo, é membro da Rede Brasileira de Renda Básica, da Red Renta Básica (Espanha) e da Associação pelo Rendimento Básico Incondicional (Portugal)

No último mês de fevereiro, o voto do ministro Marco Aurélio Mello, ao manifestar-se como relator do Mandado de Injunção 7300, em julgamento no Supremo Tribunal Federal, foi preciso: “Quem é espoliado no mínimo existencial, indispensável ao engajamento político e à fruição dos direitos fundamentais à vida, à segurança, ao bem estar e à própria dignidade, vive em condições subumanas, sendo privado do status de cidadão”.

A ação foi impetrada, por meio da Defensoria Pública da União, por uma pessoa vivendo em situação de rua no Rio Grande do Sul, que solicitou não só o reconhecimento de seu direito à Renda Básica de Cidadania, prevista na Lei Federal 10.835/2004, como também a regulamentação desta mesma lei.

Embora Alexandre da Silva Portuguez, cidadão brasileiro vivendo na pobreza, não tenha obtido o benefício que pleiteava individualmente, alcançou um mérito extraordinário ao fazer com que o STF se manifestasse em favor de que o governo federal aponte quais constituem os passos a serem tomados neste momento para cumprir a lei sancionada há 17 anos. Nenhum dos 11 ministros votou contra a obrigação da regulamentação, pendente desde a aprovação da lei.

O STF, por maioria, e seguindo o entendimento do ministro Gilmar Mendes, determinou ao presidente da República que adote as medidas legais e orçamentárias cabíveis na implementação do direito à Renda Básica de Cidadania, conhecida também pelo nome de seu autor, Eduardo Suplicy.

Neste estágio, a população atingida deve contemplar os critérios de situação de extrema pobreza e pobreza (renda per capita inferior a R$ 89 e R$ 178, respectivamente) previstos no Bolsa Família. A decisão faz menção, ainda, à necessidade urgente de que tais valores sejam ampliados para refletir melhor a realidade brasileira, mas reconhece que a definição de valores de benefícios cabe ao governo e ao Congresso Nacional.

Segundo o voto de Mendes, “a ausência de fixação do valor da renda básica do cidadão é uma forma de esvaziar o mandamento constitucional de combate à pobreza”. Assim, reconhecida a incompatibilidade da omissão estatal, o STF estabeleceu prazo até o exercício fiscal de 2022 ao governo federal para que demonstre qual desfecho pretende dar aos programas de transferência de renda para as pessoas em situação de maior vulnerabilidade econômica, que ganharam ainda maior importância durante a pandemia de Covid-19. O coronavírus deixou claro que segurança de renda, embora também encontre amparo constitucional nos pilares da seguridade social, é um direito que se vincula à garantia do mínimo existencial e, portanto, à própria concepção de dignidade da pessoa humana, e não à posição que a pessoa ocupa no mercado de trabalho.

O auxílio emergencial, além de ter gerado impacto inédito na redução da pobreza, mesmo que temporário, ainda poderá gerar ganhos para programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Tais programas devem deixar de ser uma forma de proteção residual afetada por contingências de governos que se utilizam de cálculos perversos enquanto filas de famílias sem acesso à renda se formam.

A renda básica, conhecida por ser uma proposta que aponta para a cobertura universal e incondicional da população, pode se apoiar em sistemas de proteção social já existentes para fazer essa transição de forma gradual, começando pelos que mais necessitam de uma renda garantida, como prevê a própria lei. Será preciso, agora, compatibilizar a determinação do STF com tais sistemas, sem perder as vantagens trazidas pela renda básica: maior simplicidade, igualdade de tratamento e dignidade. Tal desafio é viável mesmo diante de restrições orçamentárias e parte das regras fiscais atuais, que devem permitir a efetivação de políticas que geram efeito multiplicador e de desenvolvimento em nossa economia, como no caso do auxílio emergencial e do próprio Bolsa Família.

O que se espera é que regulamentação determinada signifique apenas a primeira fase de implementação da Renda Básica de Cidadania, posto que alcança apenas as pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza. Entretanto, é um importante passo no embate jurídico em direção ao direito a uma verdadeira renda básica universal e incondicional, tal como se discute ao redor do mundo. Mais importante ainda será tirar do imobilismo um governo que não demonstra esforços, planejamento e nem transparência para cumprir os objetivos de reduzir desigualdades sociais e regionais, determinados pelo Artigo 3° da Constituição de 1988.

A Rede Brasileira de Renda Básica integra a ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades)

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