A imagem de pessoas em cima de um caminhão de lixo, em um bairro nobre de Fortaleza, pegando restos de alimentos, é grotesca; deveria parar um país. Um país abandonado e marcado para morrer. A poucos dias do início da COP26 (26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), devemos fazer as perguntas certas para conduzir a nossa ação: Qual é o modelo de desenvolvimento que queremos para os próximos anos? Vamos denunciar o racismo ambiental?
A realidade imposta às periferias por décadas e que timidamente começa a circular em grandes veículos de comunicação é a triste comprovação das previsões de agravamento das desigualdades sociais, da crise sanitária e da insegurança alimentar.
Estamos no país em que parte do setor agrícola se vangloria por “alimentar o mundo”, mas que, quando questionado, não consegue explicar por que mais da metade (55%) dos brasileiros, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), sofriam de algum tipo de insegurança alimentar em dezembro de 2020, ou seja, há pouco menos de um ano.
Tudo isso também confirma que a crise climática já é uma realidade na vida das pessoas. O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) foi taxativo ao dizer que não há mais dúvidas sobre o impacto da humanidade nas mudanças climáticas. Além disso, um estudo que acaba de ser publicado na revista Nature Climate Change destaca como a crise climática já afeta 85% da população mundial.
Mas enquanto as constantes inundações, secas, ventanias, falta de água, escassez de alimentos e incêndios ocupam manchetes no mundo todo, o preço cada dia mais alto dessas mudanças já está sendo pago pelas populações pobres, negras e povos originários. Há pessoas morrendo. O que para alguns é tratado como "externalidade", para outros é questão de vida ou morte.
Vale reforçar que o conceito de racismo ambiental inclui não apenas as injustiças ambientais e a exposição desproporcional das populações vulneráveis a riscos, mas também a exclusão dessas pessoas dos processos de tomada de decisão.
Não podemos partir para uma das reuniões mais importantes do mundo, portanto, sem reforçar o máximo possível que o debate central precisa ser o combate ao racismo ambiental. As grandes organizações não podem mais ter medo desse debate. Justiça climática é justiça racial: precisamos de ação climática em escala internacional que reconheça essa urgência, tanto nas mesas de decisão dos governos quanto nas da sociedade civil.
Os países precisam estabelecer metas mais ambiciosas de corte de emissões para limitar o aquecimento em 1,5°C. Mas o governo brasileiro, além de chegar com um plano mentiroso, põe em dúvida a existência das desigualdades sociais e do racismo ambiental, como fez em reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A COP26 deve ser ambiciosa e realista. Os países precisam oferecer uma resposta coletiva e adequada para combater os já inevitáveis impactos das mudanças climáticas no meio ambiente e na infraestrutura dos países. Faz anos que essa questão tem sido menosprezada pelos países ricos com poder sobre os termos das negociações climáticas, à custa dos países do Sul Global. Não temos mais tempo.
Na semana passada, representantes da sociedade brasileira lançaram o documento "Clima e Desenvolvimento: visões para o Brasil 2030", com propostas concretas para elevar a ambição brasileira no Acordo de Paris e acelerar o ritmo de transição para uma economia de baixo carbono do País nesta década. Parte da transformação proposta passa pela garantia de prosperidade, segurança e sustentabilidade das comunidades e cidades.
Todas as evidências apontam para quem é que precisamos dirigir o nosso olhar. Nossas cidades precisam ter seu planejamento pensado também para as populações mais vulneráveis. Em entrevista ao podcast do G1 “O Assunto”, apresentado pela jornalista Renata Lo Prete, o geógrafo Henrique Evers, gerente de desenvolvimento do Instituto WRI Brasil, destacou a desigualdade subjacente à emergência climática e defendeu que as áreas vulneráveis são aquelas onde é mais crucial investir em soluções.
“Se a gente está falando em transformar as cidades pela lente do clima, o lugar a se começar é justamente nestes locais e com essas populações que sempre foram deixadas de lado e que até hoje a gente não conseguiu resolver”, disse Evers.
O colapso climático é racista e consequência de uma sociedade que produz desigualdades de forma sistêmica e proposital. Uma sociedade consumista, que precisa responsabilizar os verdadeiros culpados pelo agravamento da emergência climática.
Que a sociedade presente na COP perceba a urgência do combate ao racismo ambiental, voltando aos seus países com propostas que avancem efetivamente na direção de um futuro com mudanças prósperas e menos mortes evitáveis. O movimento negro estará lá com este propósito.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.