Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades
Descrição de chapéu Coronavírus

Congresso decide nesta terça (7) se a vida vale mais que o lucro no Brasil

Lei permite quebra temporária de patentes de vacina contra Covid

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Pedro Villardi

Doutor em saúde coletiva, é coordenador do GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual), coalizão de organizações em defesa da saúde pública

Luciana Lopes

Coordenadora das Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais.

Nathalie Beghin

Economista e coordenadora da assessoria política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e ex-conselheira do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional)

O Congresso Nacional colocou na pauta de votações desta semana uma decisão crucial para o futuro da pandemia, que os brasileiros interessados em mais vacinas e medicamentos precisam compreender: o veto 48, que diz respeito aos trechos da Lei 14.200/21 anulados há quase três meses por uma canetada do presidente Jair Bolsonaro (PL). Pouco se tem falado do quanto essa lei, se derrubados os vetos, poderá ajudar o Brasil, considerando um cenário de grandes cortes de orçamento para o SUS e especificamente para o combate à pandemia em 2022.

A votação, prevista para esta terça-feira (7), tem como pano de fundo uma tragédia global anunciada: o surgimento da variante ômicron, possivelmente derivada do apartheid vacinal. Os efeitos perversos das patentes de vacinas e medicamentos que salvam vidas são claros. Países e populações permanecem sem acesso a vacinas, enquanto empresas lucram US$ 1.000 por segundo. Tudo aponta para a necessidade de organizarmos campanhas de vacinação anuais e, no Brasil, não há orçamento público suficiente para as doses de reforço em 2022.

Profissional da saúde prepara dose de vacina contra Covid em Havana, em Cuba - Natalia Favre/Reuters

O presidente Bolsonaro desfigurou a Lei 14.200/21, que facilitava a licença compulsória de patentes em emergências sanitárias. Mas, se o Congresso Nacional derrubar os vetos na votação desta terça, os artigos que obrigam os grandes laboratórios a compartilhar todas as informações necessárias para reprodução da tecnologia alvo de licença compulsória voltam a valer. Assim, o desenvolvimento de versões genéricas ou biossimilares de medicamentos e vacinas será mais rápido, salvando mais vidas. A lei não prevê apenas a suspensão do monopólio, mas garante que as informações, o know-how, seja transmitido para outros produtores qualificados, evitando que se demore anos para produzir os genéricos.

Ainda que, inicialmente, não seja possível produzir medicamentos e vacinas localmente, com a derrubada dos vetos, a Lei da Licença permitirá ao Brasil comprar versões genéricas de outros países. E essa é uma estratégia importante para evitar mortes em possíveis novas ondas. Sem vacinar a maior parte da população mundial, a pandemia não acabará. E, sem medidas como a lei 14.200, as gigantes farmacêuticas seguirão impondo seus preços e condições extorsivas ilimitadamente, seja em relação as doses de reforço de vacina, seja em relação a tratamentos.

Derrubados os vetos, o Brasil, que é um dos principais mercados para as farmacêuticas, entraria para a vanguarda do movimento global que está em pauta na OMC (Organização Mundial do Comércio). Recentemente, a notícia sobre acordos em torno de potenciais tratamentos para a Covid-19, excluindo o Brasil da possibilidade de comprar versões genéricas dos medicamentos Paxlovid e Molnupiravir, reacendeu o alerta sobre como é ilusório esperar que as empresas renunciem a seus privilégios voluntariamente. O Brasil, por exemplo, ficou fora da lista porque é um grande mercado das farmacêuticas.

A Lei 14.200/21 foi aprovada por uma ampla maioria na Câmara e no Senado. Mesmo assim, a indústria farmacêutica, campeã global dos lucros na pandemia, está investindo pesado para influenciar os parlamentares e manter os vetos. Não é pouco o que está em jogo: estudos apontam que apenas duas empresas têm lucrado US$ 1.000 por segundo com a venda de vacinas. Temerosa, a indústria farmacêutica tem feito uma forte ofensiva, comprando espaço publicitário em grandes jornais, para se manifestar pela manutenção dos vetos. Nesses informes publicitários, escancara que se preocupa muito mais com seus lucros do que com as vidas.

Mas nós defendemos vidas antes do lucro. O país perdeu mais de 600 mil brasileiros para a Covid-19, tem milhares de pessoas lutando contra as sequelas da doença, um sistema de saúde abalado e profissionais de saúde exaustos. Bolsonaro, mais uma vez, se esquiva de defender a vida. Portanto, cabe hoje aos deputados e senadores brasileiros a coerência, a firmeza e a responsabilidade de se manter ao lado dos cidadãos, derrubando o veto 48, em defesa da vida.

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