Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades
Descrição de chapéu mudança climática

Planejamento urbano precisa ser ambiental e socialmente mais justo

Redução de emissões passa necessariamente pela revisão de políticas urbanas, que devem também combater desigualdades sociais e raciais

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Clauber Leite

Coordenador de projeto

Ana Sanches

Assessora no Instituto Pólis

Os mais pobres são aqueles que menos contribuem para o agravamento das mudanças climáticas, mas são os que tendem a sofrer as suas consequências com maior intensidade.

A primeira constatação faz parte do relatório que acaba de ser divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), enquanto a segunda pode ser observada na própria experiência brasileira: as famílias mais pobres, majoritariamente compostas por pessoas negras, estão entre as principais vítimas das catástrofes climáticas.

O relatório do IPCC mostra um gritante desequilíbrio social no que se refere às emissões de gases de efeito estufa: enquanto 10% dos lares do mundo respondem por entre 35% e 45% das emissões, 50% são responsáveis por até 15% do total.

Além disso, os países mais pobres do planeta e as nações-ilhas, as principais vítimas dos impactos climáticos, contribuíram juntos para menos de 4% das emissões globais em 2019.

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Brasilândia, em São Paulo, é palco de constantes alagamentos - Zanone Fraissat - 21.mar.2022/Folhapress

No caso brasileiro, os efeitos da catástrofe climática são acentuados por nossos clássicos problemas de infraestrutura e pobreza. Por exemplo, como destacado em reportagem recente da BBC, nas últimas décadas, os municípios de Francisco Morato, Franco da Rocha e Embu das Artes, onde viviam pelo menos 16 das vítimas fatais das chuvas do último verão, registraram um crescimento da população bastante superior ao computado na capital paulista e na região metropolitana e, não por coincidência, também são municípios com presença significativa de população negra.

Boa parte desse contingente, por falta de recursos, vive justamente em encostas de morros e margens de rios e córregos, estando sujeito a sofrer com deslizamentos e enchentes, configurando um típico caso de racismo ambiental. Ou seja, esse é mais um exemplo de que a população negra e mais pobre é a mais prejudicada pelos efeitos indiretos das mudanças climáticas nas cidades.

Vale lembrar que as últimas crises hídricas –que esvaziaram os reservatórios das hidrelétricas e exigiram o acionamento de térmicas– atingiram em cheio os moradoras de periferias, que tiveram ainda mais dificuldades para pagar a conta de luz: em 2021, por exemplo, dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que 39,43% das famílias de baixa renda atrasaram a fatura em pelo menos um mês.

Esses atrasos as deixam sob ameaça constante de cortes no fornecimento de um serviço essencial para a vida moderna, prejudicando o acesso a um direito que não só é garantido pela Constituição brasileira como é crucial para a garantia de outros.

Em paralelo, o relatório do IPCC também chama a atenção para a importância das cidades no que diz respeito às mudanças e controle dos problemas climáticos: sem medidas de mitigação, as áreas urbanas passarão do montante atual de emissões, que é da ordem de 29 bilhões de toneladas de gás carbônico e metano, para 40 bilhões de toneladas em 2050.

Felizmente, o meio urbano também apresenta inúmeras oportunidades de mitigação das emissões. Segundo o painel, com medidas ambiciosas e imediatas, as urbes poderiam se aproximar da emissão líquida zero na metade do século por meio de mudanças no consumo energético e material, eletrificação do transporte e pelo sequestro de carbono no meio ambiente urbano, além da recuperação das emissões de metano dos aterros sanitários, contribuindo para o compromisso de corte de 30% das emissões desse gás assumido pelo Brasil. Além disso, aponta o painel, o setor de construções tem potencial de redução de 61% das emissões até 2050.

Esforços em direção à energia limpa são parte fundamental dessa equação, tendo em vista que, como mostra o próprio relatório, na última década, o preço da energia solar e das baterias de íon de lítio caiu 85%, o da energia eólica caiu 55%, enquanto a adoção de carros elétricos cresceu 100 vezes e a instalação de painéis solares cresceu 10 vezes.

No caso brasileiro, além da implantação de medidas nessa direção, o desafio é fazer com que elas façam parte de um plano estratégico para resolver os problemas das populações mais expostas aos problemas climáticos por meio de uma transição energética justa, cujos custos não recaiam sobre as comunidades pobres e racializadas.

Isso passa pela adoção de políticas públicas que permitam, por exemplo, que o processo de eletrificação dos transportes possibilite melhorias na infraestrutura, proporcionando ônibus com menor impacto ambiental, mas também com melhor qualidade. A qualidade deveria ainda ser o foco dos programas de construção de habitações populares, garantindo maior durabilidade para os edifícios e vida mais digna para seus moradores.

As políticas públicas devem ainda responder à necessidade de melhor organização das cidades, de modo a ampliar as áreas mistas –residenciais e comerciais– e reduzir, dessa forma, deslocamentos necessários.

Os esforços na área de energia também têm de ser contemplados, com medidas de estímulo a uma maior eficiência no seu uso, desenvolvimento de projetos de energia solar que beneficiem diretamente as populações de baixa renda e aperfeiçoamento da gestão de resíduos, para garantir, por exemplo, o aproveitamento do biogás gerado a partir da decomposição de resíduos para a produção de eletricidade.

Resumidamente, precisamos de um planejamento urbano mais justo, que combata ao mesmo tempo as mudanças climáticas e as desigualdades sociais e raciais nas cidades.

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