Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades
Descrição de chapéu Eleições 2022

Resistindo a um Congresso antiambiental

Eleições fortaleceram domínio de bolsonaristas e ruralistas; mas vitória de candidaturas do campo socioambiental reanima luta por direitos

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Bruno Stankevicius Bassi

Pesquisador e coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas, que documenta as impressões digitais do agronegócio nos conflitos agrários e no lobby político em Brasília

O resultado das eleições do último domingo (2) chegou como uma grande surpresa para aqueles que esperavam um cenário desfavorável ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Além de conseguir empurrar a disputa com o favorito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o segundo turno, o atual mandatário elegeu uma parcela significativa de seus apoiadores para o Senado e para a Câmara dos Deputados, provando que a influência da extrema direita bolsonarista está muito mais arraigada na sociedade do que se poderia imaginar.

Sob a perspectiva ambiental, os resultados do pleito de 2022 são ainda mais preocupantes e impactam diretamente a proteção da Amazônia, do cerrado e do Pantanal —bem como dos povos e comunidades que neles habitam. A eleição do ex-ministro Ricardo Salles como 5º deputado mais votado do país —com quase o triplo de votos da líder socioambiental Marina Silva— é, por si só, um símbolo da tragédia que se abate no país.

Ex-ministro Ricardo Salles gesticula durante entrevista
A eleição do ex-ministro Ricardo Salles como 5º deputado mais votado do país é, por si só, um símbolo da tragédia que se abate no país - Eduardo Knapp - 15.ago.22/Folhapress

Afastado do cargo por suspeita de ter beneficiado uma quadrilha de madeireiros ilegais no Pará, Salles representa a mais pura antítese de um projeto de país que preserve minimamente o ambiente e a vida das pessoas. Agora no Congresso, ele unirá forças à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a face institucional da bancada ruralista que, mais uma vez, deu mostra de seu poder eleitoral, alinhada à vertente rural do bolsonarismo— defensora de mais armas no campo e de menos terras para indígenas, quilombolas, ribeirinhos e camponeses.

Dos 241 membros da FPA na Câmara, 135 se reelegeram —isto é, 56% dos deputados ruralistas assumirão um novo mandato em 2023. No Senado, o cenário foi mais difícil: apenas sete dos 25 integrantes que tentaram uma vaga obtiveram sucesso. Outros 11 senadores mantêm seus mandatos até 2027 —ou não disputaram as eleições, ou concorreram a novos cargos e foram derrotados.

Estes números, no entanto, ganham outra conotação ao analisarmos o núcleo duro da FPA, composto pelos parlamentares que ocupam cargos diretivos na frente e que são responsáveis pela articulação política com os principais financiadores da máquina de lobby ruralista. Conforme revelado pelo observatório De Olho nos Ruralistas nos relatórios "Os Financiadores da Boiada" e "Os Operadores da Boiada", as atividades da FPA são mantidas pelo Instituto Pensar Agro, que concentra as contribuições mensais de 48 associações do agronegócio. Estas, por sua vez, são financiadas por multinacionais como Syngenta, Bayer, Cargill, Basf e JBS, que também mantêm relações diretas com congressistas e membros do governo.

Dos 54 deputados e senadores que integram este núcleo, 25 foram reeleitos, nove mantiveram seus cargos e um foi "promovido" da Câmara para o Senado. Houve também aqueles que não disputaram a reeleição, mas elegeram sucessores, como o vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) José Mario Schreiner (MDB-GO), que transferiu seus votos para Marussa Boldrin, filha de sojicultores e uma das novas caras da bancada ruralista em Brasília. A eles somam-se ainda representantes diretos do garimpo ilegal, estimulados diretamente por Bolsonaro, conforme revelado em reportagem da Folha.

Na outra ponta, oposta a este Brasil das velhas elites, as eleições de 2022 registraram os maiores índices de participação de mulheres, negros, LGBTQIA+ e indígenas desde a redemocratização. Um país colorido e diverso, ainda pouco representado na política institucional e que, sem os mesmos recursos do fundo eleitoral e sem as doações milionárias dos barões do agronegócio e da mineração, teve menos possibilidades concretas de se eleger.

Isso fica evidenciado pelas candidaturas indígenas: das 21 chapas progressistas que disputavam um lugar no Congresso, apenas as líderes Sônia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG) foram eleitas deputadas. Candidata à reeleição, Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena eleita para a Câmara, obteve 11.221 votos, mas não ultrapassou a cláusula de barreira. Da mesma forma, dentre as 15 candidaturas camponesas, apenas duas foram eleitas: os deputados Dionilso Marcon (PT-RS) e Valmir Assunção (PT-BA) foram reconduzidos ao cargo. Nenhum quilombola foi eleito.

A última jornada eleitoral foi também dura com os líderes da Frente Parlamentar Ambientalista, principal contraponto eleitoral à bancada ruralista. Presidente do grupo, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) não chegou nem perto do número de votos necessários para se eleger. Outros membros expressivos, como Vivi Reis (PSOL-PA), Camilo Capiberibe (PSB-AP) e Alessando Molon (PSB-RJ) tampouco estarão na próxima legislatura.

Por outro lado, é importante destacar as conquistas. Além das vitórias de Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, foram eleitos outros nomes importantes para fazer frente à FPA e aos interesses exploratórios e especulativos do agronegócio e do garimpo. De Guilherme Boulos (PSOL-SP) a Daiana Santos (PCdoB-RS), de Erika Hilton (PSOL-SP) a Duda Salabert (PDT-MG), a Câmara terá novos nomes capazes de reanimar a luta por direitos socioambientais, juntando-se a colegas reeleitos como Talíria Petrone (Psol-RJ), Nilto Tatto (PT-SP), Padre João (PT-MG) e Luiza Erundina (PSOL-SP), além de senadores do campo progressista que mantêm seus mandatos até 2027.

Com uma Câmara e um Senado cada vez mais orientados pela extrema direita bolsonarista e pela captura corporativa da agenda pública, caberá a estes nomes liderar a oposição a projetos de lei que implodem o Código Florestal, dificultam a demarcação de territórios indígenas, paralisam a reforma agrária e anistiam a grilagem e o desmatamento.

Essa é a luta que terá lugar nos corredores do Congresso, com repercussões globais, uma vez que o futuro da Amazônia (e do mundo) depende das ações que o país tomará nos próximos quatro anos. Se Lula for eleito, haverá um fio de esperança de que um novo caminho de respeito às florestas e àqueles que lutam para mantê-las de pé ainda é possível. Sob Bolsonaro, só resta a barbárie.

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