Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

Brasil deve se tornar referência internacional na agenda antirracista

A chegada de um novo governo reacende a expectativa de que se reabra o diálogo entre sociedade civil e gestores públicos

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Camila Asano

Diretora de programas da Conectas Direitos Humanos

Arquias Cruz

Assessor de incidência da Conectas Direitos Humanos

As políticas públicas de combate às desigualdades raciais adotadas pelo Brasil nas duas últimas décadas —principalmente a partir de demandas de movimentos sociais e organizações da sociedade civil— ainda não foram suficientes para superar o racismo estrutural e institucional no país, sendo que o desmonte dessas políticas pela gestão federal que se encerra agora dificultou ainda mais sua implementação, consolidação e ampliação.

A avaliação é do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial das Nações Unidas. Com sede em Genebra (Suíça), o órgão analisou entre novembro e dezembro deste ano as ações promovidas desde 2004 pelo Brasil para tornar efetivas as disposições de combate ao racismo previstas na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965.

Marcha no Dia da Consciência Negra de 2020, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Os especialistas da ONU chegaram a destacar algumas medidas importantes de combate à discriminação racial. Entre elas, estão as leis que estabeleceram cotas no ensino superior (2012), no serviço público (2014) e nas políticas de migração (2017), demandas históricas de pessoas negras e de outros grupos minorizados e aprovadas graças à intensa participação da sociedade civil.

Não há dúvidas de que essas leis tiveram impacto significativo na vida de milhões de pessoas.

A Lei de Cotas, por exemplo, que completou uma década neste ano, tornou as instituições públicas de ensino superior mais plurais, refletindo a realidade brasileira: o número de negros matriculados na rede de ensino superior federal passou de 41% em 2010 para 52% em 2020, segundo dados consolidados pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior).

O problema é falta de compromisso do poder público com a efetivação dessas leis. Como exemplo transversal temos os cortes promovidos pelo governo federal no orçamento das universidades federais e das agências financiadoras de ensino e pesquisa no país. Além do prejuízo para o campo científico, a redução de auxílios e bolsas suprime as garantias para que estudantes negros, indígenas e pobres permaneçam no ambiente acadêmico em condições dignas.

Descaso semelhante àquele dedicado pela administração federal à educação de jovens negros foi encontrado pelo comitê da ONU em outras áreas. Os especialistas destacaram, por exemplo, que as principais vítimas da violência policial são meninos negros e homens com idade entre 12 e 21 anos. E, dado o aumento no número de execuções extrajudiciais e do uso excessivo da força pela polícia nas favelas, principalmente contra membros da comunidade afro-brasileira e LGBTQIA+, o comitê questionou incisivamente o Estado brasileiro sobre quais medidas tomou para "prevenir a brutalidade policial e reduzir o uso de armas letais".

Outro ponto ressaltado pelo órgão da ONU foi a maneira desproporcional pela qual mulheres negras e indígenas foram afetadas pelo racismo, principalmente durante a pandemia de Covid-19, e o fato de que, ainda assim, tenha havido redução dos recursos para programas de combate à desigualdade racial. Por que esses programas foram substituídos por programas menos eficazes?, questionaram os investigadores. Que apoio foi fornecido além das cestas básicas? Havia planos para reintroduzir programas de transferência de renda? Que medidas foram tomadas para combater os efeitos de longo prazo da pandemia nas comunidades negras e indígenas?

Em respostas vazias e descoladas da realidade, representantes do Estado brasileiro, incluindo a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Britto, afirmaram que o governo federal estimulou a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas de combate à discriminação racial e que membros das forças de segurança foram os primeiros a se engajar seriamente na luta contra o racismo.

Após anos de desmonte das políticas antirracistas e, sobretudo, diante da incapacidade do atual governo de reconhecer os graves erros cometidos nesse campo, a chegada de um novo governo em 2023 reacende a expectativa de que se reabra o diálogo entre sociedade civil e gestores públicos. É certo que os atores sociais comprometidos com a erradicação das desigualdades raciais não deixarão de lembrar o poder público, diariamente, de que é preciso que o Brasil se comprometa com a adoção do antirracismo como valor norteador de suas políticas públicas. E é preciso que esse compromisso ganhe centralidade não somente na política doméstica, mas também na externa, tornando o Estado brasileiro uma referência internacional na agenda antirracista.

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