Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Aqueles que se devem destruir

O país está sob um ataque violento e eminente de grupos que o odeiam

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É preciso entender as bases fundantes do racismo para compreendermos o modo pelo qual a população negra é tratada no Brasil.

Raça para o negro se impõe, já o definindo previamente antes que pudesse se pensar com liberdade.

Como diz o psiquiatra Frantz Fanon, o negro é sobredeterminado pelo exterior. Ou, como afirma o filósofo camaronês Achille Mbembe, é preciso debater a invenção do negro, que foi marcado como “o outro”, aquele que não é humano.

O procedimento de definir alguém como “um outro” chamamos de marcação. Ao definir esse outro como um negativo, a marcação é o verdadeiro mal radical no sentido da aniquilação da humanidade dessas pessoas.

Em “A Crítica da Razão Negra”, Mbembe afirma: “Debater a razão negra é, portanto, retomar o conjunto de disputas acerca das regras de definição do negro; como o reconhecemos”.

Ilustração
Linoca Souza/Folhapress

Esse seria um caminho para romper com essa construção de um não ser, antítese, praticando aquilo que Mbembe chamou de alterocídio, que consiste em “constituir o outro não como semelhante a si mesmo, mas como objeto intrinsecamente ameaçador, do qual é preciso proteger-se, desfazer-se, ou destruir (quando não se pode controlar)”.

Pensar alterocídio nos dias de hoje se torna importantíssimo para entendermos as políticas de extermínio da população negra, compreender quem são aqueles que se deve controlar ou destruir. No Brasil, temos uma taxa altíssima de encarceramento em massa e de assassinatos de jovens negros. Conseguimos ver, então, o alterocídio em prática. 

Escrevo para essa coluna tomada por sentimentos após acompanhar as notícias deste país. Como sempre, são majoritariamente as pessoas negras que têm pago o preço alto do colonialismo, que se reinventa para seguir em curso no país das capitanias hereditárias.

Segundo levantamento do UOL, que cruzou dados estatísticos do Instituto de Segurança Pública com o Observatório da Segurança RJ, da Universidade Cândido Mendes, foram 881 mortes registradas em operações policiais no primeiro semestre deste ano, o maior número já registrado, sem que nenhuma delas tenha ocorrido em áreas controladas por milícias. Trata-se de um projeto de poder em curso, de dominação e conquista de outras áreas e de todo o país.

Dyogo Costa Xavier de Brito, de 16 anos, morreu por bala de fuzil durante a operação em Niterói. Estava a caminho do treino no América-RJ, onde jogava nas categorias de base. 

Em Bangu, na zona oeste do Rio de Janeiro, Margareth Teixeira, de 17 anos, foi morta segurando seu bebê, que levou um tiro de raspão após uma operação policial.

Em abril, 80 tiros foram disparados contra o carro ocupado por Evaldo Rosa dos Santos e Luciano Macedo. Segundo as viúvas de ambos, após os disparos, policiais debocharam dos pedidos de socorro.

Atualmente os autores estão soltos por ordem do Superior Tribunal Militar, que passou a julgar crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis, mais uma jabuticaba desse país em vigor após aprovação de uma lei do contestado governo de Michel Temer —um sujeito que deveria amargar o maior ostracismo por tudo que representou em termos de atraso e violação dos direitos humanos.

Não sei que lição tiraremos disso. Minha impressão é que o país foi às traças e há devastação em nome do ódio fomentado por ideologias racistas reverberadas e implementadas. 

Talvez o país deva atingir o fundo do poço —que ainda ficará muito mais fundo do que agora, infelizmente— para a população brasileira cair em si de que está sendo estraçalhada em seus direitos, na sua qualidade de vida. 

Um fundo do poço para acordar os veículos de comunicação e segmentos conservadores que entraram no vale-tudo após perderem sucessivas eleições; um choque no próprio campo progressista incapaz de quebrar a burocracia e o pacto narcísico da branquitude em que está encastelado.

Que algum dia, quem sabe em breve, mais pessoas despertem para a tragédia que está em curso neste país e, então, tomem ruas, entrem em greves por mais de um dia, parem as escolas e universidades. Que o colapso chegue a senhores coloniais dos micro e macropoderes e uma reação em cadeia anuncie novos parâmetros de dignidade.

Penso isso pois mantenho a esperança por dias melhores, a fé no trabalho de base e nas lições que passaremos às próximas gerações. O tempo é o agora e agora o país está sob um ataque violento e eminente por grupos que odeiam o país. É hora de despertar.

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