Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Autoestilo

Pensar em moda afro nos leva a um dilema: de que afro estamos falando?

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Muitas pessoas não costumam pensar na potência e na conexão ancestral do que vestem. Pensar em moda afro, por exemplo, nos leva a um dilema: de que afro estamos falando? Do Benin? De Burkina Fasso? De Serra Leoa ou da Etiópia? 

África é um continente com 54 países e, dentro deles, mais uma gama de multiplicidade que escapa ao olhar essencialista que põe o continente como uma manifestação uniforme de música, dança, moda etc.

Da mesma forma, são centenas de etnias indígenas com culturas, idiomas e vestimentas diferentes. O que é, então, uma moda indígena? Ela é da etnia xavante ou tapajó? 

Ilustração da silhueta de uma mulher negra com diversos tecidos e uma folhagem em volta
Linoca Souza/Folhapress

A lógica da apropriação cultural de esvaziar de sentido determinadas culturas, apagar significados com o propósito de mercantilização, faz com que, na maioria das vezes, não saibamos reconhecer essas diferenças. Além disso, faz com que nem sequer reconheçamos a importância delas. 

A visão colonial de homogeneidade condicionou o nosso olhar para a negação de sujeitos e culturas plurais. 

Para pessoas pertencentes a grupos historicamente oprimidos no país, o processo de “voltar para casa”, de reconexão com suas raízes apagadas ou invisibilizadas pelo processo colonial, não pode ser feito de modo a, mais uma vez, tratar as multiplicidades de vozes, culturas e estilos como uma coisa homogênea. 

É para garantir a multiplicidade que foi criado o projeto Terrosidades, articulação têxtil pedagógica coordenada pelo educador Jaergenton Corrêa e pela estilista Paula Raia. 

O projeto inclui uma exposição e um curso de autoestilismo, tema da dissertação de mestrado em história social pela PUC-SP de Jaergenton. 

Jaergenton define autoestilismo como o ato de “cada pessoa pensar a própria roupa através de suas referências de ancestralidades mais próximas, de familiares, de seu cotidiano, de elementos do dia a dia, do contato com outras culturas”. 

“É através da formação da identidade pessoal, através da sensibilidade artística, que podemos aprofundar o pensamento autoestilístico. Dessa forma, cada pessoa pode percorrer um percurso descolonial através das vestes, sem precisar utilizar as referências ditadas pelo mercado e criadas por uma pessoa sem um vínculo afetivo e sem as personalidades anatômicas do usuário”, continua ele. 

Pensar o consumo e questionar a procedência do produto são reflexões que o projeto também traz. 

O interessante olhar do educador, que entusiasmou a estilista, possibilita que cada pessoa, na sua sensibilidade, mesmo sendo parte das mesmas diásporas, pluralize os resultados estéticos dessas vestimentas, reduzindo a possibilidade de novos padrões, mesmo que desenvolvidos por pessoas afro ou indígena diaspóricas. 

Trata-se de uma pluralização de expressões dessas identidades em diásporas. Como parte do projeto, houve uma exposição fotográfica idealizada por Paula Raia, com curadoria de Hélio Menezes e Maurício Ianês, no Centro Cultural São Paulo. 

“O Terrosidades nasceu de longas reflexões e questionamentos sobre os padrões de beleza inseridos na moda e sobre as estruturas vigentes de exclusão social. Como marca influenciadora, sinto a responsabilidade e oportunidade de propor novas direções”, diz Paula Raia.

“O objetivo da exposição foi justamente provocar e inspirar um diálogo entre todas essas exclusões e modo de pensar”, afirma. 

Além disso, a ideia era questionar os padrões de corpos e de beleza, já que as mulheres escolhidas para as fotos, 14 no total,  eram de idades, corpos e profissões  diferentes. Hélio Menezes entrevistou todas sobre seus trabalhos e sobre como pensavam a moda, o que também compôs a exposição.

No curso,  que tem início neste sábado, encontros semanais estimularão as habilidades individuais durante o desenvolvimento humanístico, criativo e artístico do coletivo.

A proposta itinerante valorizará cada repertório cultural composto pelas heranças ancestrais e suas ressignificações no cotidiano. 

O curso acontecerá em diversos espaços urbanos, ateliês de moda, sedes de coletivos independentes, estúdios fotográficos, ocupações artísticas, instituições culturais e universitárias. 

Para Jaergenton, a construção de autoestilo, de conexão com as diversas diásporas, constitui um pensamento pedagógico que influencia diretamente no estudo e na formação crítica da moda.

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