Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Garotas 'amadurecem mais cedo' ou são forçadas a isso?

Na rua, meninas de dez anos já enfrentam os olhares lascivos de homens

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Há cinco anos, escrevi sobre como me incomodava a cobrança para minha filha, então com dez anos de idade, fazer “coisas de adulta”. Foi logo após ela chegar indignada em casa porque seus colegas haviam feito chacota dela por ainda assistir a desenhos.

“Mãe, por acaso agora infância é crime?”, perguntou. Já naquela idade convivia com meninas que usavam saltos, maquiagem, performavam uma postura ao sentar, ao falar, já em fase final do treinamento do “ser mulher”. Meninas em fase de crescimento usando salto alto, sendo privadas de correr, brincar. 

Por questionar tudo isso fui chamada de careta, moralista. Ora, não tem nada de moralismo em se criticar isso, mas de político. Enquanto homens adultos são chamados de meninos, chamam meninas de mocinhas, moças, “já tem cara de mulher”. Enquanto é tratado com naturalidade que meninos joguem bola e videogame aos 13, 14 anos, vemos cobranças para que garotas da mesma idade sejam mulheres. 

Pergunto a quem interessa a “adultização” dessas crianças. Nessa idade, os seios começam a crescer, o corpo está em desenvolvimento, mas as crianças ainda são o que são: meninas. Isso não impede, contudo, a constante pressão para que assim deixem de ser. As leitoras da coluna certamente vão se lembrar de serem assediadas na mais tenra meninice.

Ilustração de criança vestindo um vestido branco com estampa de chupetas, corações e estrelas. Ela está usando sapatos de salto de outra pessoa, é possível ver que estão bem grandes. O enquadramento está na parte inferior da criança, então a parte superior da cena não está visível.
Linoca Souza/Folhapress

Na rua, meninas dessa idade já enfrentam os olhares lascivos de homens com desejo. Alguns olham mexendo no pênis, outros fixam os olhares. A grande maioria dos homens, contudo, quando flagrada olhando para essas meninas, desvia o olhar, constrangida.

O combo do machismo e do racismo produz violências naturalizadas. Lembro quando minha filha era pequena, bebezinha de carrinho. Ela tinha as coxas grossas. Cansei de ouvir que ela ia ser a Globeleza. Friso: uma menina com seis meses.

Quando ela tinha seis anos, fui à padaria com ela e o dono falou: “Nossa, essa aí quando crescer vai dar trabalho para o pai”. Implícito na expressão “dar trabalho para o pai” está novamente em botar no homem o papel do controle da sexualidade da mulher, justamente aquele pertencente ao grupo que, em muitos casos, não consegue desviar olhares de meninas de dez anos. 

São essas construções machistas que são naturalizadas, que a gente fala sem pensar no peso delas.

Nesta semana, me deparei com um anúncio sobre depilação para meninas. Em redes sociais, muitas pessoas não acham nada de mais meninas e adolescentes serem “adultizadas”, é comum ouvir a expressão “meninas amadurecem mais cedo”. E eu pergunto: amadurecem ou são forçadas? 

É como se quisessem justificar o assédio a meninas com “mas ela parece mulher”, como se esse fosse o destino das mulheres. Quando fui professora da rede pública, várias alunas entre 15 e 17 anos eram assediadas por professores; outras, já casadas com homens. É um ciclo de exclusão e feminização da pobreza aliado ao machismo. 

Dados do estudo “Infância Interrompida: O Apagamento da Infância de Crianças Negras”, do Georgetown Law Center on Poverty and Inequality, apontam uma realidade que deveria ser preocupante.

O estudo ouviu 325 adultos de várias etnias, níveis de formação e regiões nos Estados Unidos, utilizando uma escala de inocência infantil com itens associados a estereótipos de meninas negras e brancas.

Os pesquisadores identificaram os efeitos da “adultização”: meninas negras parecem mais velhas do que meninas brancas da mesma idade; precisam de menos apoio, sabem mais sobre “assuntos de adulto”, precisam de menos proteção e sabem mais sobre sexo do que meninas brancas.

Quando minha filha tinha dez anos, contei que pensei em quebrar uma garrafa na cabeça de um homem que fitava minha filha de cima a baixo. Respirei e não fiz, mas com o dedo em riste gritei toda a indignação que me veio à mente. Ao terminar, eu era a “exagerada”.

“Como mulher, sei o que é sofrer assédio, não ter direito pleno ao espaço público, ser violentada com olhares, palavras. Mas agora isso passa a acontecer com minha filha. Aí me disseram que se minha filha usasse sutiã os olhares diminuiriam. A culpa é dela pelo fato de o corpo estar mudando? E essa sociedade é conivente com essas violências. O dia em que quase quebrei a garrafa na cabeça do criminoso, eu gritei, xinguei. As pessoas em volta olharam, mas nada fizeram. Afinal, sou só uma mãe histérica me perturbando com algo normal, cotidiano. A gente que se acostume”, escrevi na época.

É preciso entender as normas impostas para as meninas e a quem elas favorecem.

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