Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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O prazer masculino em diminuir mulheres

Simone de Beauvoir dizia que o maior crime é destituir um ser humano de sua humanidade

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Muitas vezes, percorrendo esse país por anos, encontrei os mais variados tipos de mulheres que me impressionaram com sua incandescência, me iluminaram com a vontade de viver ou me fizeram rir com os coelhos improváveis que tiravam da cartola. Mulheres cuja postura não envergava com o peso de suas magníficas coroas e que enxergavam um horizonte para onde caminhavam com seus mais queridos. 

Visionárias, assumiam a parceria de vida com seus companheiros, muitas vezes sustentados financeiramente por elas e que há muito teriam ficado pelo caminho da vida não tivessem dado ouvidos a seus conselhos.

As pernas de uma mulher negra aparecem na cena, a parte superior não aparece por causa do corte. Na frente dela, há um homem negro pequeno, cuja altura é semelhante à altura dos joelhos dela. Ele está apontando para a mulher com uma mão e segurando uma gaiola com a outra.
Linoca Souza/Folhapress

Tempos depois, por vezes anos, por vezes poucos meses, encontrava essas mesmas mulheres, mas dessa vez apagadas, diminuídas, sem graça, sem açúcar, dendê ou pimenta, servis aos pés dos homens pequeninos de espírito, mas bem-sucedidos na missão de destronarem verdadeiras realezas. Mulheres que passaram a viver a vida daquele Narciso que nem sequer se digna a reconhecê-las, mesmo que em migalhas de postagens nas redes sociais. 

Há de se notar mulheres que muitas vezes desistiram de seus sonhos, de carreiras sólidas, e foram boicotadas em trajetórias de sucesso, desviando do caminho por serem vítimas da carência e das efêmeras promessas masculinas. Afinal, quanta ilusão e violência a frase “fique em casa, vou cuidar de você” pode esconder? 

Esse é um grande prazer masculino: apagar as vidas de mulheres cujas luzes os desafiam. 

Porta-vozes da perpetração da injustiça patriarcal, homens que viveram o nirvana enquanto se alimentaram da força vital dessas mulheres e que, ao apagar as luzes, adoram sentar entre seus amigos e se vitimizar, reclamando que ela não é mais legal como era antes, que ela está muito chata, que está muito pesado para ele e mais uma porção de chorumelas que todas conhecemos tão bem.

Gostaria de frisar que não estou criticando mulheres que decidiram ficar em casa ou aquelas que nem sequer tiveram opção. Estou a desafiar essa ânsia masculina em diminuir mulheres ou não reconhecer suas grandezas para que elas possam caber em sonhos não sonhados por elas. 

A violência sutil de afastá-las do que as faz bem para se portar como o salvador ou aquele que dará sentido à vida delas. Acho triste quando vejo amigas ou mulheres conhecidas caindo no canto de “sereios” que não conseguem lidar com mulheres que poderiam voar.

Então, após muito se vitimizar, o homem vai à rua atrás de alguém de quem poderá se alimentar de mais energia, enquanto aquela dos tempos passados fica em casa cuidando sozinha ou com sua mãe —outra mulher sugada de vida numa geração anterior— dos filhos que ele só se presta a ver de vez em quando, e olhe lá. 

Ciclos que se repetem e sonhos que poderiam ser concretos ficarão para uma próxima mulher que desse sistema conseguirá se emancipar.

Eu me compadeço de mulheres atingidas por esse ciclo de apagamento. Há uma estrutura patriarcal vigente e uma mulher líder de si e cujas ideias e ações visam uma emancipação de seu grupo social, ainda que numa perspectiva microscópica, certamente pode ser muito indigesta e há de ser cooptada, descreditada ou, no caso, apagada para que tudo continue do jeitinho que está. 

Entretanto, não se pode cair em conformismo quando é possível uma reação, um retomar o gosto pela chama que conduzia a vida antes de servir a uma pessoa que não honra a reciprocidade. 

Simone de Beauvoir dizia que o maior crime é destituir um ser humano de sua própria humanidade. Querer colocar a mulher no lugar do outro, esse lugar sem alteridade e reciprocidade, é fixá-la no que Beauvoir chamou de “eterno feminino”: um lugar sem transcendência.

É preciso estar atenta e forte, saber de quem se cerca. Há indivíduos homens parceiros, certamente, mas não se pode perder de vista que, enquanto estrutura, a aliança masculina deixa as diferenças de lado, sejam elas ideológicas, de raça, de orientação sexual ou de nacionalidade, quando o assunto é lutar pela hegemonia de gênero, pela manutenção do estado atual das coisas. 

Quando se reage à situação pela reafirmação do sujeito, incômodos surgem como gritos do passado. 

A transcendência em situações de injustiça e de autodesvalorização é um processo doloroso que implica se reconhecer e perdoar, como também se colocar de pé, com a coluna ereta a sustentar a coroa, aquela mesma cujo brilho e imponência incomoda tanto os homens pequenos.

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