Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Guerra contra as drogas não reduz consumo e favorece os donos de helicópteros

Essa política é o verdadeiro crime sendo cometido no país, e não o tráfico de farelos que entope masmorras brasileiras

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O debate sobre política de drogas no Brasil tem sido feito historicamente por movimentos negros, os quais veem nessa prática uma forma de extermínio da juventude negra e de hiperencarceramento, atualizando a lógica colonial de subalternização dos grupos oprimidos no país.

Ilustração de duas mãos com pílulas e cápsulas de remédio flutuando entre elas
Linoca Souza/Folhapress

É trágico que o Brasil siga essa política de criminalização dos espaços periféricos, sem qualquer resultado prático na redução do consumo, favorecendo o comércio varejista dos donos de helicópteros e que, de outro lado, desmonta pesquisas e projetos que visam lidar com a questão fora da lógica de punição prisional ou internação compulsória, a qual gera muito lucro para muitos que a defendem.

Essa política complexa é o verdadeiro crime sendo cometido no país, e não o tráfico de farelos que entope masmorras brasileiras.

Como estamos submetidos a um governo insensível a essa realidade, é necessário destacar
 que há anos o Supremo Tribunal Federal está para decidir a ação que discute um pequeno passo para atenuar esse horror, isto é, a descriminalização do porte de drogas para consumo com critérios objetivos para definição do binômio traficante/usuário, atualmente feito apenas pelo olhar racista do Judiciário.

A demora no julgamento tem contribuído para prisões desnecessárias, já que sentenças poderiam atenuar a violência deflagrada por essa política que mostra claras evidências de falência.

É necessário ressaltar que é provável que a decisão foque apenas a maconha, entorpecente legalizado em vários lugares do mundo, o que seria algo muito aquém do que deve ser em termos de transformação no país.

Algo precisa ser feito nesse cenário trágico em que mães negras formam filas de visitas em presídios e cemitérios ao redor do país, e só isso não bastará. Trata-se de um genocídio a céu aberto em curso, com números de mortos maiores do que em países em guerras conflagradas.

Li na Folha que em razão da pandemia, as drogas têm sido comercializadas mais impuras e prejudiciais à saúde. A falta de insumos, a restrição no transporte e outros motivos causam a precarização do produto que já não é fiscalizado por causa da criminalização.

Ou seja, é possível observar que a proibição das drogas influi diretamente na saúde pública como um todo, uma vez que produtora de um cenário de intensa desigualdade, violência e morte, como também na saúde individual das pessoas, pois consomem algo sem verificação de qualidade, produzindo efeitos mais drásticos à saúde.

Ou seja, se do ponto vista sociológico a criminalização das drogas da forma que está posta no país visa o impacto negativo sobre a comunidade negra e periférica, isso não significa estimular o uso de drogas, ou ainda negar os efeitos deletérios da dependência. Muito pelo contrário.

Não apenas é necessário conscientizar a população sobre os riscos envolvendo o consumo de entorpecentes, como também são necessárias pesquisas para mapeamento da realidade alterada pela pandemia e confinamento. Ora, houve algum aumento no consumo de álcool e outras drogas 
durante o isolamento da Covid-19, o que impactaria diretamente na saúde da população, bem como na resposta ao vírus?

Nesse sentido, uma pesquisa em curso no Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo propõe a mapear o consumo de drogas entre a população em idade universitária no país.

Encabeçada por Thiago Fidalgo, professor do departamento, a pesquisa “Drogas no Isolamento” (Instagram: @drogas.no.isolamento) possui um questionário online voltado à população universitária para mapear como anda o consumo do álcool e de outras drogas no período de confinamento.

Quem não usa nenhum tipo de drogas também deveria responder, pois a amostra deve ser o mais representativa possível da população de estudantes. É possível preencher diretamente o formulário pela internet.

À coluna, Vitor Tardelli, psiquiatra doutorando da Unifesp, que também participa da pesquisa, afirma: “A ideia da pesquisa veio do atendimento a pacientes universitários que apresentaram mudanças diversas nos padrões de consumo. Alguns diminuíram, outros aumentaram e outros, de forma interessante, trocaram sua droga de preferência”.

Já Thiago Fidalgo afirmou: “Quando falamos em dependência química, partimos do modelo da interação entre indivíduo, substância e contexto. Esses indivíduos são um público sabidamente vulnerável para transtornos mentais e dependência química e estão passando, como todos nós, por uma brusca mudança de contexto que talvez não tenha precedente na história recente”.

Estimular pesquisas, conscientizar a população e abolir a lógica criminalizante da política de drogasão caminhos necessários para um futuro menos cruel.

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