Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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A luta antirracista não pode ser somente quando acontece com você

É fundamental entender o processo de se tornar negro e é preciso estudar os processos que criam as desigualdades

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Um dos assuntos mais comentados na semana foi o episódio de racismo envolvendo Neymar e o espanhol Álvaro González no jogo entre o Paris Saint-Germain e o Olympique de Marselha no Campeonato Francês.

Neymar acusou González de tê-lo chamado de macaco, reagiu com um tapa e acabou expulso. Muitas pessoas se manifestaram nas redes em apoio ao jogador brasileiro, uma vez que animalizar pessoas negras historicamente é uma estratégia racista e, de fato, é inadmissível que atos como esses sejam naturalizados e tratados como “coisas do calor do jogo”.

Atos racistas não podem ser relativizados, nem sob o argumento de que Neymar não se considerava negro, algo que ele disse ainda muito jovem.

Não se pode culpar a vítima, mesmo se essa pessoa não seja comprometida com a luta
antirracista. Tornar-se negro, como afirmava Lélia Gonzalez, é um processo de conscientização e afirmação política.

Num país como o nosso, fundado sob o mito da democracia racial, não é espanto algum ver pessoas que não entendem a profundidade da questão, uma vez que essa ideia romântica de não conflitos raciais causou danos em relação ao entendimento das relações raciais no Brasil.

Ilustração dos bustos de um homem e uma mulher negros. O fundo é rosa claro e tem folhagens
Linoca Souza/Folhapress

“A gente não nasce negro, a gente se torna negro. É uma conquista dura, cruel e que se desenvolve pela vida da gente afora”, afirmou a feminista negra. Nascemos corpo numa teia de significados sobre os quais não temos controle. A identidade negra não é uma coisa pronta ou acabada, e a consciência da própria negritude é um fator importante para a construção de práticas antirracistas, mas não pode ser um único determinante da reação ao racismo.

Independentemente de uma pessoa saber-se negra ou não, ela estruturalmente sofre com a opressão. Nascer negro não significa ter uma consciência crítica sobre esse lugar, assim como nascer branco, uma vez que são raras as pessoas brancas que refletem de forma crítica sobre branquitude ou, nas palavras da artista multidisciplinar Grada Kilomba, que “pensam a branquitude como metáfora do poder”.

Falar sobre racismo no esporte é falar por diversas perspectivas. Recentemente, o ginasta Ângelo Assumpção foi demitido do Esporte Clube Pinheiros após relatar casos de racismo. O atleta, que foi vítima de racismo anos atrás por colegas ginastas, acredita estar sendo punido por ter enfrentado essas situações, mas afirma que o silêncio não pode ser uma opção.

Mesmo com bons resultados, Assumpção segue sem clube, o que chamamos de dupla violência: ter sofrido a violência racista e ter sido penalizado por denunciá-la.

Assumpção relatou como o ambiente no clube se tornou hostil após as denúncias, corroborando o que o intelectual Adilson Moreira afirma sobre os impactos do racismo recreativo: tornar o ambiente tão hostil a ponto de expulsar a pessoa negra para a manutenção da supremacia branca.

Para além desses casos, torna-se fundamental debater a democratização do esporte, as barreiras que impedem que pessoas negras tenham oportunidades de acesso a diversas práticas esportivas.

Voltemos ao Neymar. Sem dúvida alguma é importante não culpabilizar o indivíduo pela opressão que sofre, independente de gostarmos dele ou não, pois fazer isso é legitimar a estrutura racista.

Porém, é fundamental entender a complexidade desse processo de se tornar negro. É preciso estudar, estar disposto à escuta e a entender os processos históricos que criam as desigualdades. Temos vários exemplos de esportistas ao redor do mundo que se posicionam e jogam luz sobre questões importantes para a sociedade.

Compreender que não se trata de algo meramente individual também é importante, logo não é suficiente somente se manifestar quando acontece consigo e se calar quando atinge outras pessoas. A tenista Naomi Osaka, Lebron James, Lewis Hamilton, para citar alguns exemplos, entendem perfeitamente esse ponto e visibilizam campanhas antirracistas importantes e se manifestam contra o assassinato de pessoas negras; eles não se manifestam somente quando são o alvo do racismo.

Finalmente, há a compreensão fundamental de que não podemos nos manifestar contra o racismo e apoiar projetos políticos genocidas e de precarização das vidas negras. Discutir antirracismo é debater projetos democráticos; é a consciência de que a luta não pode ser somente quando acontece com você, mas como o seu grupo social será tratado a depender do projeto político que se legitima. Sem isso, é somente o repúdio moral ao racismo e não o início de um processo real de transformação.

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