Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Comunidade se despede de Lourival Campos por mais de uma década da Vai-Vai

Ficam a surpresa da precoce partida, as lembranças do samba e as homenagens das escolas que com ele dividiram o Carnaval

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A comunidade do samba se despede de Lourival de Almeida Campos, diretor por mais de uma década da imensa escola Vai-Vai, historicamente um quilombo urbano por onde notáveis antepassados passaram o som de suas cuícas para a explosão do samba, heroico legado do povo negro.

Fundada nos anos 1930 por um grupo de amigos no bairro habitado por pessoas negras que descenderam da escravidão e que pelos cortiços ficaram, a escola levantou títulos de geração em geração até chegar às mãos de Lourival, bisneto de fundador. Contar um pouco de sua história, da escola e do Carnaval é contar a resistência negra na cidade, que sambou para espantar os males, esquecer as dores e trazer formas de vida plena para dentro de suas comunidades.

Após contrair uma infecção, Lourival fez a passagem no primeiro dia do mês, em meio à pandemia, num momento do país que nada combina com quem viu o Bixiga abarrotado para cantar, dançar e viver a promessa de um grande Carnaval. Por enquanto, ficam a surpresa da precoce partida, as lembranças do samba e as homenagens da escola e de todas as outras que com ele dividiram o Carnaval. Mocidade Alegre, Camisa Verde e Branco, a atual campeã Águia de Ouro, entre outras, se uniram para prestar respeitos a quem muito fez pelo Carnaval paulistano.

Jovem, Lourival teve de encontrar meios para entrar no samba. Sua mãe, Cleonice Almeida, mulher preta e de esquerda, detestava o Carnaval por tudo que viu sua família passar. Conta seu irmão Kaxitu Campos, atual presidente da Federação Nacional das Escolas de Samba que “o racismo sempre demonizou o Carnaval, e isso era prática recorrente, o que deixava mães pretas com medo pelos seus”. Lourival, contudo, tinha seu caminho e ia com seu irmão escondido aos ensaios da escola. Quando a mãe descobriu, já estavam envolvidos.

Foi então que buscou sua amiga Thereza Santos, grande intelectual negra brasileira, matriarca do Carnaval, para que olhasse por seus filhos. Seu pai, José Carlos Campos, era sambista de ocasião e levava os meninos para ver a montagem das escolas.

Foi debaixo das asas de Thereza Santos que Lourival se iniciou no Carnaval na Camisa Verde e Branco, que tinha o Carnaval assinado por ela, no início da década de 1990. No fim da década, a convite de Robson de Oliveira, então presidente da Liga das Escolas de Samba de São Paulo, passou a integrar o time que transformou o evento, promovendo dois dias de desfile.

Seu conhecimento enciclopédico de Carnaval e trato inigualável com as pessoas levaram sua carreira ao centro da festa paulistana. Foi diretor da Liga das Escolas de Samba de São Paulo, ministrou aulas na União das Escolas e assumiu o comando do carnaval do Bixiga, seu grande amor, após 2007.

Ilustração composta por dois blocos. No maior, há um homem negro com vários elementos no fundo, como um  estandarte da Vai-vai, instrumentos musicais e folhagens. No segundo bloco, há uma composição com várias pessoas tocando instrumentos, cajus, casas folhagens e diversas cores
Linoca Souza/Folhapress

De lá para cá, foi muita história, como conta Lyllian Bragança, seu grande amor e passista da escola. “Foram tantos Carnavais. Eu tive muito amor pelo homem, mas o amor pelo sambista, transbordava.

Eu aprendi muito com ele e me via crescendo, querendo a luta, a guerra, como Matamba (Iansã) gosta. O respeito ao pavilhão e ao sambista era sua marca. Não gostava de ver o desrespeito à história. E que história, 2008, 2011 e 2015 fomos campeões, carnavais inesquecíveis.”

De fato, a gestão de Lourival à frente do Carnaval da Vai-Vai proporcionou inúmeras glórias e feitos que estão eternizados. Em 2008 foi campeão com o enredo “Acorda, Brasil, a Saída É Ter Esperança”. Em 2011, também levantou o troféu com enredo sobre o maestro João Carlos Martins, em um desfile emocionante que está na memória da escola. Em 2015, seu terceiro título, no enredo sobre a diva Elis Regina, no que ficou conhecido como o “Carnaval da Emoção”.

Conta seu irmão que Lourival acreditava que a emoção era o elemento chave para a coroação do desfile e a homenagem a uma das maiores cantoras de toda a história. No final, com sua filha Maria Rita emocionada vendo o povo cantar, essas cenas vibrarão o coração alvinegro para sempre.

Como afirma Kaxitu: “Quando se vai um sambista, se vai um pedaço da história”. O conheci há dois anos numa tarde muito agradável conhecendo o barracão da Vai-Vai, uma pessoa marcante.

Histórias sobre ele não faltam: amava o Corinthians, era sobrinho do goleiro Barbosinha, ouvia Djavan e adorava um samba, churrasco e jogar futebol. Morria de orgulho de seu primo Silvio Almeida, intelectual e colunista da Folha. Deixou duas filhas: Vitória e Manuela Liz, dois irmãos e seu pai. Sua dimensão é inexplicável, mas para resumir um legado basta se lembrar de Geraldo Filme quando cantou “quem nunca viu o samba amanhecer, vai no Bixiga pra ver, vai no Bixiga”.

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