Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Dia da Consciência Negra

Ser pessoa negra é uma conquista árdua e se desenvolve pela vida afora

É como Lélia Gonzalez diz: 'A gente não nasce negro, a gente se torna negro'

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Para a pessoa negra, a consciência de sua negritude é parte fundamental do "tornar-se negro", expressão imortalizada na obra de Neuza Santos Souza que é bibliografia obrigatória em cursos de psicologia sérios neste país.

Negro, na acepção política do termo, vai além da epiderme de negritude clara ou escura.

Ou seja, um diretor da Fundação Palmares que é usado pelas pessoas brancas para ficar falando agressividades contra pessoas negras, ainda que seja de pele retinta como a noite, não é negra.

Uma pessoa que tenha a pele clara como caramelo e é contra cotas e usa de seu capital político a serviço de estruturas brancas para atacar pessoas negras também não é negra, independente de uma autodeclaração política como sendo de esquerda ou de direita.

Ilustração de três pessoas negras vestindo roupas em tons de rosa, nas quais é possível ler "NEGRO", e segurando espadas-de-são-jorge. Há folhagens no fundo também
Linoca Souza/Folhapress

É no sentido de que Lélia Gonzalez traz quando diz que "a gente não nasce negro, a gente se torna negro".

"É uma conquista dura, cruel e que se desenvolve pela vida da gente afora. Aí entra a questão da identidade que você vai construindo. Essa identidade negra não é uma coisa pronta, acabada. Então, para mim, uma pessoa negra que tem consciência de sua negritude está na luta contra o racismo. As outras são mulatas, marrons, pardos etc."

Ser negro é entender que estamos num país de quatro séculos de escravidão e que não teve nenhuma política de inclusão da população; que negou, e ainda se nega, a encarar de fato as entranhas desse sistema racial que dá oportunidades para que pessoas de um grupo social estejam no topo e que seu discurso seja a norma, ao passo que um grupo enfrente historicamente a invisibilidade.

Ser negro ou ser negra é entender que um grupo social angariou ao longo de séculos todo poderio econômico herdado das casas grandes e dos soldos pagos pelos senhores aos funcionários que controlavam a população negra.

E entender que o capital está para além da empresa do pai, da casa da praia do vovô mas também está escancarado na própria pele que, muitas vezes, fará a diferença entre a vida e a morte, bem como em todas as situações mais sutis do cotidiano.

Ser negro ou ser negra é conhecer a história do movimento negro brasileiro.

Das lutas históricas desde as revoltas de pessoas escravizadas, ainda tão pouco estudadas e trabalhadas nas escolas e na mídia como um todo, até a luta pela criminalização do racismo, pelo ensino da história afro-brasileira nas escolas, pelas cotas raciais que dão o mínimo de oportunidades de acesso às universidades.

É estudar e reverenciar aqueles que vieram antes, como aqueles que são nossos contemporâneos, fazendo história diante de nossos olhos.

Ser negro/ser negra é honrar os povos quilombolas, os povos de terreiro. É partir da lógica da encruzilhada para multiplicar com a força do oceano todas as nossas tecnologias que tivemos que desenvolver para sobreviver aos horrores do colonialismo.

Ser negro ou ser negra é nunca se deixar ser o chicote na mão de uma pessoa branca a ser desferido contra o lombo de uma pessoa negra.

É não compactuar com a misoginia, com a violência doméstica, com o abuso infantil.

Ser negro, ser homem negro, sobretudo, é jamais compactuar com o assassinato de saberes imposto pelo patriarcado, é não fechar os olhos para agressão às mulheres negras. É jamais querer reproduzir-se socialmente como um homem branco historicamente se fez.

É apoiar o trabalho editorial negro, histórico desde as imprensas negras do século 19, começo do século 20, passando por Cadernos Negros, Quilombhoje, entre tantos outros.

Trabalho desenvolvido com primor pela minha geração —e nessa data saúdo a Coleção Feminismos Plurais elas vitórias conquistadas, como também a todas as pessoas que estão ocupando espaços em editoras que estão se atualizando e publicando quem, de fato, deve estar em todos os lugares, assim como a branquitude esteve historicamente.

Pensar como um negro, como brilhantemente expõe meu querido amigo Adilson Moreira, é um exercício de interpretação que é alcançável a todas as pessoas. Por isso, no Dia da Consciência Negra, como em todos ou outros dias do ano, apoie projetos desenvolvidos por pessoas negras, invista, troque oferecendo o que possa oferecer para uma empreitada negra, expanda a consciência e pense como um negro, na acepção política do termo.

Assim, faremos dessa consciência um método poderoso para combater esse gigante inimigo de toda a sociedade, que é o racismo.

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