Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Djamila Ribeiro

A Lava Jato foi uma grande farsa, que envergonha a imagem de todo o Brasil

Talvez a ironia maior do que houve em Curitiba seja que o país não ficou 'menos corrupto', muito pelo contrário

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em maio de 2017, arrumei minha mala e parti para Londres como uma das participantes do Forum Brazil-UK, um evento organizado por brasileiros universitários residentes no Reino Unido com palestrantes do Brasil.

Fui recebida no aeroporto Heathrow pela delegação brasileira e então fomos direto para a primeira palestra. Quem estaria no painel era o então juiz Sergio Moro e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Naquela época, a Lava Jato era o energético dos telejornais, passava o dia inteiro sem que houvesse contraponto daquilo que, naquela altura —pós-golpe contra a eleita Dilma Rousseff—, já manifestava sinais de partidarismo.

Porém, em nome de interesses em reformas econômicas inconstitucionais e desumanas, arbítrios eram ignorados e a cobertura do oligopólio midiático era basicamente de elogios e contemporizações ao ex-juiz, que mais tarde se tornaria ministro da Justiça do atual presidente.

Acomodei-me entre os estudantes brasileiros excitados para ouvi-lo. Quando seu nome foi anunciado, a plateia veio abaixo. Foi ovacionado. Fiquei profundamente incomodada com aquilo; um juiz não deveria ser tratado como herói. Ouvi atentamente a palestra, em que ele falava de impunidade, da flexibilização da presunção de inocência e que fazia uma mera “aplicação ortodoxa da lei”. Em outras palavras, dizia ser um cumpridor rigoroso da letra da legislação.

mulher negra com venda verde e amarela sobre os olhos
Ilustração de Linoca Souza para a coluna de Djamila Ribeiro de 12 de fevereiro de 2021 - Linoca Souza/Folhapress

Era 13 de maio, dia da abolição formal da escravatura, que foi legal no país por séculos. O incômodo cresceu em mim durante a palestra e, no momento que abriram para perguntas, levantei a mão. Olhando para trás, essas coisas acontecem na vida da gente porque era para acontecer mesmo. Na delegação que me recebeu, era sensível à primeira vista que, salvo uma ou outra pessoa, estava entre fãs do ex-juiz. Pois, quando levantei minha mão, talvez a única pessoa daquela delegação que tinha suas reservas estava ao meu lado e me passou o microfone antes de a mediadora impedir.

Quando dei por mim, já estava de pé e no meio da pergunta. A plateia gritando, revoltada, enquanto dizia que juízes durante a escravidão também eram aplicadores ortodoxos da lei, assim como muitos dos que entopem presídios de pessoas negras no país. Disse que era muito problemático um juiz ser ovacionado daquela forma, pois juízes não deveriam ter partido. Sobretudo quando em uma canetada cometiam arbitrariedades. Bom, aí os gritos viraram urros. Não me recordo de ele ter sido questionado dessa forma em outra oportunidade, a não ser em audiência judicial.

Saí cercada, com proteção contra a turba e encontrei na saída um grupo contrário às ações do ex-juiz, que festejou minha chegada. Nos dias seguintes, lembro a hostilidade de outros participantes, incomodados com o acontecimento fora dos planos. Para além do climão, pouca importância dei, pois senti que havia feito o certo, por mais difícil que tenha sido.

Foram muitos episódios na condução do processo acusatório contra o ex-presidente Lula, como a condução coercitiva, o vazamento de áudios às vésperas de sua nomeação para a Casa Civil, a condenação sem provas do apartamento tríplex e as delações premiadas, as quais eram exibidas em rede nacional sem nenhuma verificação do conteúdo.

E se, já naquela época, os arbítrios eram perceptíveis, os recentes vazamentos das mensagens que mostram seu conluio com a acusação não deixam mais nenhuma dúvida. Está dado: não houve um processo justo e imparcial. O que houve em Curitiba foi uma grande farsa, que envergonha a imagem do país afora. E agora, José?

Os danos da operação foram muito além da injustiça feita a um indivíduo, por mais que isso, por si só, seja muito grave. Na lista dos retrocessos, podemos destacar vários: a ilegal interferência no governo federal, a ascensão de políticos reacionários em legislaturas e governos municipais, estaduais e federal, incluindo o próprio ex-juiz, sob o discurso anticorrupção tão mentiroso quanto a imparcialidade dos processos em Curitiba; a quebra em setores da economia brasileira; o derretimento da credibilidade das instituições judiciais; os retrocessos na Constituição Federal; a interferência americana na soberania nacional, entre muitos outros.

Mas talvez a ironia maior seja que o Brasil não se tornou “menos corrupto”, muito pelo contrário. Estão aí as compras de votos para presidente da Câmara que não me deixam mentir.

Os estragos causados pelo Poder Judiciário estão feitos e seguimos reféns de um presidente eleito sob fake news e favorecido pela operação. Um presidente cujas ações motivam um impeachment de fato e direito.

Esses estragos não serão desfeitos, a não ser que o destino do país esteja, ironicamente, nas mãos de um órgão aplicador da lei e, principalmente, da Constituição.

Com a palavra, o STF? Ou a nossa indignação será com outra sigla, o triplo B?

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.