Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Governo Bolsonaro tem coronavírus como aliado e deve responder pelas mortes

Presidente é responsável por extermínio da população brasileira durante a pandemia da Covid-19

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Brasileiros se acostumaram a mais de mil mortes por dia em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Apesar de a doença atingir países em todos os continentes, por aqui há um agravante que reside no governo federal, que impõe um projeto de desumanidade.

Se na campanha presidencial tivemos de assistir a gestos de mãos simulando metralhadoras, quem iria imaginar que o gatilho do governo seria um vírus?

Até o momento, o vírus vitimou mais de 440 mil vidas. Entretanto, apesar da gravidade do cenário, durante boa parte da pandemia as agendas oficiais do presidente consistiram em sair do palácio de governo e ir a aglomerações, cumprimentar as pessoas sem o uso de máscara e debochar do vírus e de políticas de enfrentamento à doença.

Enquanto nações corriam atrás do desenvolvimento da vacina, o governo gastou milhões em compra de cloroquina, remédio destinado ao tratamento da malária. O motivo, contudo, era outro —tratar a Covid-19 com base em desinformação e contra pareceres da comunidade científica internacional.

Cloroquina é um remédio que possui efeitos colaterais, sobretudo quando ausente a doença que visa combater. Mas não adianta dizer quando o projeto é de desinformação e morte. Tamanho é o escárnio que até assistir ao presidente mostrar uma caixa de cloroquina para uma ema tivemos de ver.

Ministros da Saúde pediram demissão consecutivamente por não quererem se responsabilizar pela política adotada a mando do “Capitão Cloroquina”, um dos apelidos pelo qual ficou conhecido, até sobrar como ministro um general do Exército obediente.

Quanto ao presidente, na iminência da produção de milhões de doses da vacina chinesa pelo governo estadual de São Paulo, do qual é opositor, restou a ele dizer que não confiava em produtos que vinham do país asiático, agradando a seu colega do norte, o ex-presidente Donald Trump. Nas redes sociais, as milícias digitais espalharam o repúdio à “vachina”.

Na pandemia, a parcela da sociedade que mais sentiu essa mudança foram as pessoas pobres, as quais no país são em sua grande maioria pessoas negras. Desempregadas após reformas de austeridade que entregaram o contrário do que prometeram, essas pessoas tiveram o benefício de R$ 600 por alguns meses da pandemia por causa de muita luta da oposição. Muitas famílias jamais receberam tal benefício.

O aumento de casos de violência doméstica foi um fenômeno global, mas que encontrou no Brasil um catalisador ante a diminuição drástica e até mesmo a erradicação de verbas destinadas a políticas públicas de apoio a mulheres vítimas, como centros integrados de acolhimento, denúncia e assistência social.

Homem branco usa roupa social e uma máscara facial está pendurada sob uma de suas orelhas
Ilustração de Aline Souza para coluna de Djamila Ribeiro publicada na Folha de S.Paulo em 21 de maio de 2021 - Aline Souza

O país ocupa lugar de destaque no pódio de feminicídio, abuso sexual infantil, estupro e violência doméstica. Dados mais recentes de 2019, em cenário pré-pandemia, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, registram que a cada oito minutos uma mulher, jovem ou criança é vítima de estupro no Brasil.

É necessário destacar que o relatório apontou que 57,9% das vítimas tinham no máximo 13 anos de idade. Em 84,1% dos casos, o estuprador é conhecido, sendo um familiar ou uma pessoa de confiança. Segundo aponta o mesmo anuário, a cada dois minutos uma mulher é agredida. Na pirâmide social, mulheres negras estão na base da sociedade, chefiando milhões de lares sem a figura masculina presente.

Nesse cenário, além de erradicar programas de acolhimento à mulher, o atual governo tem se esforçado para aprofundar ainda mais a desumanidade.

A ministra de “direitos humanos” de Bolsonaro, de raízes religiosas fundamentalistas, movimentou a máquina pública para impedir uma garota negra de dez anos de idade violentada por seu tio de abortar, conforme autorizado pela lei brasileira.

A articulação levou centenas de bolsonaristas à porta do hospital, em plena pandemia, para hostilizar os médicos, enfermeiros e pacientes que lá estavam.

O nome e o endereço da menina foram divulgados pela milícia digital no Twitter. É curioso que essa rede social tenha suspendido permanentemente a conta de Donald Trump, mas segue à disposição como plataforma de fake news e obscurantismo do “Capitão Cloriquina”. Será que as vidas no sul do mundo importam menos para essa plataforma digital?

Mas não somente de uma rede social esse presidente e sua milícia digital devem ser banidos. Um governo que fez da pandemia sua aliada no extermínio da população mais vulnerável deve responder pelo que fez. Esse é o apelo do Brasil que está sufocado.

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