Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Aída dos Santos fez história na Olimpíada numa época em que silêncio era regra

Conheça a história da única atleta brasileira que competiu nos jogos de 1964, ocorridos em Tóquio

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A coluna desta semana é a mais próxima do dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data foi fruto de uma articulação das mulheres negras de diversos países nas Américas e foi instituída no Brasil pela Lei nº 12.987/2014 como o Dia Nacional de Tereza de Benguela.

Tereza foi líder, ou melhor nas palavras da Unidos do Viradouro, “grande rainha negra do Pantanal”. Comandou o Quilombo do Piolho, localizado onde está Mato Grosso, durante o século 18.

A data marca o mês para mulheres negras com celebrações, marchas e eventos de conscientização diversos. Por essa razão, o mês é conhecido como Julho das Pretas e prevê uma programação especial em diversos lugares do país.

Nesta coluna, vocês puderam acompanhar homenagens a mulheres pretas. Faço isso constantemente em meu trabalho, pois, se há meritocracia neste país, é o justo reconhecimento a essas mulheres.

No Julho das Pretas, festejamos juntas e juntos a vida de Margareth Menezes, Mãe Márcia Marçal e Zezé Motta. E, seguindo a programação, neste texto homenagearemos a grande Aída dos Santos.

Para isso, consulto o trabalho da pesquisadora Claudia Maria de Farias, que a entrevistou para o texto “Superando Barreiras e Preconceitos: Trajetórias, Narrativas e Memórias de Mulheres Esportivas”, o livro “Atletas Olímpicos Brasileiros”, de Katia Rubio e o documentário “Aída dos Santos, Uma Mulher de Garra”, dirigido por André Pupo e Ricardo Quintella, bem como reportagens especiais sobre a atleta brasileira que marcou seu nome na história olímpica.

Como a grande maioria das mulheres negras, Aída experimentou uma infância de profundas ausências materiais. Durante o ginásio, aos 19 anos, tomou contato com o salto em altura. Após insistência de uma amiga, saltou 1,4 metro pela primeira vez e sem nenhuma instrução. O recorde estadual era de 1,45 metro na época.

Convencer sua família e seu namorado a deixar que se dedicasse ao esporte foi uma tarefa impossível, sobretudo por causa de seu pai. Com a estratégia dos ancestrais e muita fé, conseguiu levar seu sonho adiante e treinou à noite no Célio de Barros, mesmo trabalhando como lavadeira e estudando.

À noite, sem iluminação, dependia da criança que brincava na areia do ginásio como sua assistente. Então com nove anos, a criança Francisco Manoel de Carvalho, o Chiquinho, se tornaria um amigo que a apoiaria durante a vida.

Nesse contexto, e com dificuldades domésticas, competiu na última eliminatória para a Olimpíada de Tóquio de 1964, no Rio de Janeiro, já sob regime militar. Tinha de saltar 1,65 metro. Saltou de primeira, mas foi obrigada a saltar outras várias vezes. Mas não tinha jeito: a contragosto de todos, estava qualificada para ir.

Dali em diante, seus desafios apenas aumentaram. Aída não teve nada do Departamento Olímpico do Brasil à época. Não tinha técnico, uniforme, sapato. Sendo a única mulher da delegação brasileira naqueles jogos, improvisou a roupa para a cerimônia de abertura. Seus colegas de delegação a chamavam de “turista”, pois não era possível que fizesse algo relevante dado todo o boicote.

Sua solidão só não foi tanta por causa do atleta cubano Lazaro Betancourt, que a orientou e ajudou a conseguir materiais. Ela foi às semifinais com sapatos para corrida de cem metros, em vez daqueles de que precisava.

Nas semifinais, colocou-se ao lado das atletas dos outros países, cada qual com duas ou três pessoas na comissão técnica. Precisava saltar 1,7 metro. Saltou, mas torceu o pé e voltou mancando. Não tinha ninguém do Brasil ali, mas Miguelina Cobián, atleta cubana, conseguiu o médico da delegação que deu o suporte necessário para que seguisse para a final.

Na final obteve o quarto lugar, sendo o melhor desempenho de uma brasileira na Olimpíada por 32 anos, somente superado em 1996, em Atlanta. Seu feito histórico tomou os jornais. Um resumo do Brasil: na volta ao aeroporto havia carros de bombeiro para recebê-la em festa. Aída saiu do avião, deu um abraço em Francisco e não quis saber de desfile. A ajuda que ela precisava era antes.

Desenho mostra atleta negra praticando salto
Publicada em 22 de julho de 2021 - Linoca Souza

Era tão excepcional que foi convocada pelos militares para competir nos Pan-Americanos de Winnipeg em 1967 no pentatlo, uma modalidade proibida pelo regime por ser muito “masculina”. Competiu também nos Jogos da Cidade do México de 1968 nessa modalidade.

Com a dignidade de quem fez apesar de todos, Aída denunciou sua história aos ministros da ditadura, aos atletas do Brasil e à mídia em geral. Em uma época em que o silêncio era a regra, não foi convocada para os Jogos de Munique em 1972.

Foi o momento de encerrar a carreira. Teve três filhas. Uma delas, Valeska Menezes, a Valeskinha, seguiu seus passos e foi a Pequim disputar os Jogos em 2008, de onde voltou com uma medalha de ouro pelo vôlei feminino. Juntas, comandam o Instituto Aída dos Santos, voltado a aliar esporte e educação para adolescentes de baixa renda de Niterói, no Rio de Janeiro.

Poderia contar mais, muito mais, mas o espaço não me permite. Quem sabe um dia não leremos um livro biográfico seu. Está mais do que na hora de sua história ser contada em todos os lugares.

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