Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Outros casos de pessoas negras invisibilizadas pela história do Brasil

Coluna dá continuidade ao relato de pessoas que ficaram à margem do reconhecimento oficial

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Como eternizado na voz majestosa de Leci Brandão, "eu agradeço se você acredita nas santas almas benditas". É um culto aos mais velhos, às mais velhas. À ancestralidade do povo negro que sobreviveu, resistiu e perseverou às violências coloniais.

A ancestralidade negra que construiu esse país, junto à ancestralidade indígena, deve ser sempre saudada. Ser lembrada e reverenciada. Lamentos de quem resiste a enxergar à parte. É a partir da história de pessoas negras que podemos fundar um novo país. E por isso, estou fazendo essa série na coluna sobre o livro "Personalidades Negras". Quem quiser mais informações é só ler minha coluna anterior.

Livros que honram a ancestralidade são a prevalência da justiça nesse país de monumentos brancos, memórias a partir de uma historiografia branca et cetera. Quando grupos sociais discriminados historicamente afirmam sua existência e voz, saberes contra-hegemônicos são um sol que ilumina os grupos sociais sombreados pela história.

Iniciativas como essa são uma revolução editorial e aqui não há como deixar de celebrar a monumental "Enciclopédia Negra: Biografias Afro-brasileiras", de Flávio Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lília Schwarcz, entre muitos outros trabalhos que fazem um estudo da história brasileira a partir do povo escravizado por quase quatro séculos.

Na obra lançada recentemente pelo Selo Sueli Carneiro em parceria com a Editora Jandaíra, que saúda personalidades negras no país, Geisimara Matos, graduada em história pela Universidade Federal do Amazonas e mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, traz a trajetória de Eduardo Ribeiro, o governador negro do Amazonas de 1892 a 1896. Foi em sua administração que foram feitas obras como o
Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça, entre tantas outras.

Como conta Geisimara, foi eleito ao Senado, mas não pôde assumir por resistência de políticos da capital. Como vemos, o Brasil tem coincidências quando o assunto é o medo de grupo social branco de pessoas negras potentes e com apelo popular.

Mas falar em personalidades negras no Brasil é falar do povo de axé que cultuou a ancestralidade do povo que cruzou o Atlântico e acolheu os escravizados que aqui estavam. E, pelo trabalho de Iury Batista, mestre em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia, celebramos a existência de Mãe Pulquéria de Oxóssi, matriarca do terreiro do Gantois no começo do século 20, figura central na transmissão de fundamentos e no combate à intolerância religiosa. Como boa filha de seu pai caçador,
com uma mente afiada e estratégica, posicionou sua casa em lugar de adoração, proteção e conhecimento. A Mãe Pulquéria devemos muita gratidão.

O candomblé é uma religião matriarcal. A memória e os saberes africanos são somente transmitidos por meio de muita resistência. Por isso foi uma alegria ver o artigo de Júlio Ribeiro Xavier, mestre em história pela Universidade Federal de Pelotas, que conta para nós sobre a jornalista feminista negra Bernardina Maria Elvira Rich. Nascida em Cuiabá, foi uma educadora e primeira jornalista do estado do Mato Grosso. Como jornalista, foi uma das fundadoras do jornal A Violeta, uma publicação pelos direitos das mulheres.

Naquela época de profunda exclusão, Bernardina assumiu o posto de diretora na associação de imprensa do estado. Sua vida foi uma sucessão de feitos memoráveis.

As mulheres negras marcaram a história da arte no país. Mas, salvo o meio artístico que parta de uma perspectiva racial crítica, provavelmente o brasileiro em geral saiba menos quem foi Maria Auxiliadora do que uma jovem pessoa interessada em arte na Europa. A educadora mineira Larissa Roberta Pereira faz justiça entre muitas pessoas que ressaltam o trabalho dessa brilhante pintora brasileira —e também mineira. Maria teve toda uma trajetória até expor suas obras, de certo sucesso, que explodiu quando o crítico de artes alemão Werner Arnhold tomou contato com seu trabalho e a ajudou a ganhar projeção internacional. Para ele e todas as pessoas que ficaram estupefatas com o talento de Maria, as cores, volumes e forma de pintar foram inventadas, algo completamente original.

A pessoa que lê esse texto deveria se questionar: por que Maria Auxiliadora não é de conhecimento acessível a todas as pessoas jovens do país e que podem se inspirar em sua originalidade e talento?

Podemos perguntar por que as pessoas não podem ser inspiradas pelo talento político e a sabedoria ancestral de Mãe Pulquéria. Nas realizações de Eduardo Ribeiro, ou na coragem feminista negra de Bernadina Rich.

É por isso que dizemos que a partir de histórias negras, contamos uma história nova do Brasil.

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