Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

bell hooks e sua obra me fizeram perder a sensação de deslocamento do mundo

Autora refinou o nosso modo de pensar e não poupou críticas ao feminismo hegemônico e ao movimento negro masculinista

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A grande e fundamental feminista negra bell hooks nos deixou no dia 15 de dezembro, aos 69 anos. Foi com um misto de tristeza e gratidão que recebi essa notícia. Autora de mais de 40 livros, sendo o primeiro o magnífico "E Eu Não Sou uma Mulher? Mulheres Negras e Feminismo", hooks foi uma das pioneiras na articulação das opressões de raça, classe e gênero.

Suas reflexões sobre o amor trouxeram cura e novas perspectivas de existência para a população negra, sobretudo para a mulher negra. Suas obras sobre educação, inspiradas no pensamento de Paulo Freire, propuseram uma educação libertadora a partir do fortalecimento dos grupos oprimidos. Suas contribuições são infindáveis e não caberiam em um texto. E, aqui, não quero tão somente enumerar esses feitos, quero escrever sobre como hooks nos salvou.

Ilustração representando bel hooks, uma mulher negra de cabelos grandes com o queixo apoiado no mão
Ilustração publicada em 16 de dezembro de 2021 - Linoca Souza

Eu tive contato com sua obra pela primeira vez quando trabalhei na organização feminista negra santista Casa da Mulher Negra, na biblioteca Carolina Maria de Jesus. Lembro minha surpresa ao ler escritos que falavam tão para mim que me fizeram, por alguns momentos, perder a sensação de deslocamento do mundo.

Com sua coragem de escrever de forma didática e de não poupar críticas ao patriarcado, hooks escreveu a partir do lugar social da mulher negra, desvelando os processos históricos que estabeleceram esse lugar numa sociedade racista, patriarcal e capitalista.

Anos depois, foi uma das minhas principais referências na pesquisa de mestrado e para meu livro "Lugar de Fala". Ela nos ensinou que não basta tão somente reagir ao racismo, que é necessário ocupar esse espaço vazio e criar, propor, construir. Não aceitar o lugar de objeto, mas ser sujeito da história.

"Cresci sabendo que seria escritora. Desde os tempos de menina, livros têm me oferecido visões de novos mundos diferentes daquele com o qual eu tinha mais familiaridade. Eu ficava admirada por livros poderem oferecer pontos de vista diferentes, por palavras em uma página poderem me transformar e me mudar, alterar a minha mente", escreveu hooks no prefácio à edição de 2015 de "E Eu Não Sou uma Mulher?".

Lindo ver como ela, tocada profundamente por livros, nos tocou também, alterou e refinou o nosso modo de pensar, desafiou a mediocridade, o estabelecido. Inclusive criticou tanto o movimento feminista hegemônico quanto o movimento negro masculinista que se recusava a pensar o lugar da mulher negra.

Sua honestidade intelectual inspirava todas nós a não ter medo de trazer reflexões críticas sobre estrelas como Beyoncé. E, como ela mesma escreveu em seu primeiro livro, fazia questão de ser uma mulher negra independente.

Em "Recusando-se a Ser uma Vítima", nos ensinou a refutar a identidade vitimada e a escolher pela resistência militante de fato. A nos movermos para além dos que as opressões estabelecem, a andarmos de cabeças erguidas e construirmos nossas histórias.

Ao longo de seu trabalho, hooks desenhou uma jornada para pessoas negras e não brancas encontrarem sua voz.

Na obra "Erguer a Voz: Pensar como Feminista, Pensar como Negra", hooks escreveu: "Essas primeiras provações, quando aprendi a me manter firme, a manter meu espírito intacto, vieram vividamente à minha mente depois que publiquei 'E Eu Não Sou uma Mulher?' e o livro foi cruel e duramente criticado. Ao mesmo tempo em que esperava um clima de diálogo crítico, não esperava uma avalanche crítica com o poder, em sua intensidade, de esmagar o espírito. Sem dúvida, a falta de respostas críticas humanizadas tem tremendo impacto no escritor de qualquer grupo oprimido, colonizado, que se esforça para falar. Para nós, a fala verdadeira não é somente uma expressão de poder criativo; é um ato de resistência, um gesto político que desafia políticas de dominação que nos conservam anônimos e calados. Sendo assim, é um ato de coragem --e, como tal, representa uma ameaça. Para aqueles que exercem o poder opressivo, aquilo que é ameaçador deve ser necessariamente apagado, aniquilado e silenciado. Fazer a transição do silêncio à fala é, para o oprimido, o colonizado, o explorado, e para aqueles que se levantam e lutam lado a lado, um gesto de desafio que cura, que possibilita uma vida nova e um novo crescimento. Esse ato de fala, de 'erguer a voz', não é um mero gesto de palavras vazias".

Se hoje erguemos nossa voz, precisamos agradecer a mulheres como hooks. Nesses dias de luto, só gostaria de dizer muito obrigada.

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