Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Bolsonaro e seguidores não sabem, não querem saber e têm raiva de quem sabe

Conduta violenta afeta tanto presidente como intelectuais medrosos, que se recusam a fazer julgamentos honestos

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Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Cresci ouvindo esse ditado popular em casa —sobretudo minha mãe sempre falava quando alguém vinha trazer algum assunto malicioso sobre outra pessoa. Era uma forma de reagir a fofocas e maledicências, e ela sempre alertou a mim e aos meus irmãos sobre elas.

"Se forem à casa de alguém e perguntarem sobre meus problemas com o seu pai, respondam com um não sei. Pra não sei não tem resposta." Faço a mesma coisa até hoje quando não quero me envolver em assuntos frívolos ou que dizem respeito à vida de outras pessoas. Porém, é triste perceber que esse ditado, da forma como foi ensinado a mim, ganhou outras conotações.

Estamos sob a administração de um presidente que espalha fake news, fala coisas sem base científica e ataca a ciência, o que pode ser comprovado com os cortes para pesquisas no país.

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Evento de filiação de Jair Bolsonaro ao PL, partido de Valdemar Costa Neto, em cerimônia fechada à imprensa - Pedro Ladeira - 30.nov.21/Folhapress

Ele não sabe, não quer saber e realmente tem raiva de quem sabe. Assim são seus seguidores, que em horda atacam pessoas sérias, com trabalhos relevantes em suas áreas. As manifestações das pessoas antivacina são prova desse comportamento. Não importam os estudos, o que especialistas sérios e sérias falam, tudo vai num caminho perigoso e de completa insensatez.

Em 2021 participei de uma campanha nacional a convite do Tribunal Superior Eleitoral sobre a confiabilidade do nosso processo eleitoral. Nesta, rebatia mentiras sobre as urnas eletrônicas e explicava, de forma didática, como funcionavam.

Assim que a campanha foi ao ar, fui vítima de uma série de ataques nas minhas redes sociais, precisei fechar os comentários da minha página no Instagram por alguns dias e na semana do dia 7 de Setembro, período em que aconteceu uma manifestação a favor do atual presidente, fui orientada a não sair às ruas. Tudo isso porque falava que as urnas eletrônicas não são conectadas à internet e que nunca foi comprovada nenhuma fraude.

"Voto impresso já!" e "quanto você ganhou pra mentir?" foram as coisas menos violentas que li, mesmo sendo pública a informação de que não cobrei cachê para fazer a campanha. E simplesmente não adiantava eu tentar responder a alguns comentários. Justamente por isso fechei a caixa, pois aquelas pessoas não queriam de forma alguma serem informadas com base, elas estavam completamente alienadas.

Seus comentários mostravam que elas não sabiam nada do tema (não sei), a tentativa de explicar simplesmente não era aceita (não quero saber) e me atacavam, resgataram fotos antigas minhas com o intuito de me desqualificar (tenho raiva de quem sabe). Por sorte, o resultado foi bem mais positivo (a campanha passa na televisão e no rádio) e o alcance foi muito bom.

Infelizmente, vivemos tempos difíceis, mas se engana quem pensa que esse comportamento é somente de apoiadores do presidente. Vemos isso nos debates sobre antirracismo, feminismo, direitos humanos —pessoas supostamente estudadas desqualificarem essas discussões por medo de perder hegemonia.

Já vi intelectuais e escritores escreverem sobre temas que desconhecem tão somente para reafirmar uma voz única. "Não sei sobre esse tema, mas." Ora, se não sabe, deveria se informar pra saber. Pra, aí sim, fazer uma crítica honesta. Não leram a obra de autoras e se sentem no direito de dizer que discordam.

Ilustração representando Bolsonaro com uma máscara presa sobre os olhos
Ilustração publicada em 6 de janeiro de 2022 - Linoca Souza

Assemelham-se a negacionistas. Se eu não sei, preciso procurar saber. É o mínimo que se espera de quem se pensa um formador de opinião, porque é completamente impossível debater com inverdades ou com choro ressentido —esse último precisa ser tratado na terapia e não em livros ou páginas de jornal.

Se os primeiros tentam manipular o povo com mentiras e desinformação, os segundos temem o debate honesto porque querem manter o domínio do regime de autorização discursiva. O interessante, porém, é depois assumir uma postura de vítima quando as pessoas sérias se recusam a baixar o nível do debate indo responder a falácias.

Acusam-nas de arrogantes ou indisponíveis para críticas em uma total inversão lógica. A premissa de um bom debate é a honestidade intelectual.

Eu, por exemplo, prefiro dedicar meu tempo lendo quem sabe o que fala, por mais que eu tenha discordâncias no campo das ideias. É urgente ressignificarmos o ditado com o qual comecei esta coluna: não sei, mas posso procurar saber, quero saber e respeito quem sabe.

Isso é o mínimo de civilidade.

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