Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Folhajus machismo

Mulheres são mortas porque querem romper com ciclos de violência

É preciso cortar laços emocionais que nos prendem e causam dor para seguir sendo o que se é

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Recentemente li um post do babalorixá e doutor em semiótica Sidnei Nogueira e continuei nas reflexões sobre autorrespeito. No texto, ele dizia que romper também é continuar. Pode soar estranho num primeiro momento, mas essa frase possui um significado profundo.

Nogueira fala da importância de termos coragem para romper relações que só subtraem. "Por que romper é continuar? Porque há relações que são verdadeiras prisões; porque há relações que fazem com que
sejamos tirados de nós; porque há pessoas que só servem para tirar coisas de nós sem nada deixar", ele escreve.

"Eu já falei aqui sobre romper ser também continuar. Eu acho uma bobagem essa história de ‘viveram felizes para sempre’, eternidade e a associação que fazem entre pessoas capazes de romper e maldade, dando a entender que ser bom e justo é aceitar tudo, não reavaliar nada e seguir com pessoas que lhe desrespeitam e lhe fazem sofrer", continua.

Ilustração representando uma tesoura que corta uma fita
Ilustração publicada em 27 de janeiro - Linoca Souza

Penso que esse ponto é essencial para reflexão, sobretudo para nós mulheres. Somos enredadas em uma concepção de mundo na qual devemos aceitar os comportamentos do homem ou o nosso destino imposto com resignação. "Ruim com ele, pior sem ele." "Ser mãe é padecer no paraíso." "Homem é assim mesmo."

Há pouco tempo líamos nas revistas ditas femininas conselhos para segurar o homem dentro de casa ou o que fazer para ele voltar chorando aos seus pés. A imagem da mulher feliz, magra e sempre impecável foi e é vendida como ideal.

Só que, por trás dessas imagens, há seres reais, sobrecarregados, oprimidos pelo peso da história. No país quinto do mundo em assassinato de mulheres, o texto de Nogueira pesa como nunca. Mulheres foram assassinadas porque quiseram romper com ciclos de violência e continuar.

Também há o fantasma da solidão rondando aquelas que preferem suas próprias companhias a estarem em relações que ferem sua humanidade.

"Vai ficar para titia", como se a vida da mulher só tivesse sentido ao lado de um homem. Então é como se dissessem "fiquem infelizes, mas tenham um homem". E quantas mulheres nós já vimos adoecer ou se curvar por causa dessa ideia pregada nas nossas mentes? Quantas vezes nos vemos sozinhas ao rompermos com pessoas tóxicas porque nos dizem que não devemos ser tão radicais?

Lembro colegas que saíram de relacionamentos abusivos, mas se viram sozinhas, pois "o cara não era tão ruim assim", "você não precisava ter denunciado e destruído a vida dele", "veja bem, ele é meu amigo e não posso virar as costas para ele". E, ao escolherem o abusador, as pessoas excluem as vítimas. São elas que precisam não ir às festas ou encontros para não verem seus abusadores, pois as pessoas seguem dando tapinhas nas costas deles naturalizando violências.

O mesmo pensamento vale para pessoas que foram vítimas de racismo e precisam ouvir "mas ela é uma pessoa legal". Ou ainda para relações familiares ou de amizade que só retiram de nós, mas as pessoas julgam que, por ser parente ou próximo, nós devemos sempre consentir.

O ser para sempre pode, muitas vezes, custar a nossa sanidade e paz. Deixar ir é uma sábia lição para não ressentir, outra lição que aprendi com Nogueira. Ressentir é sentir de novo e de novo todo o mal que nos fizeram, então romper significa não mais ser escravo da ação do outro. Não se trata de ser boazinha, mas de cortar laços emocionais que nos causam dor.

Justamente por isso a reflexão de Sidnei Nogueira é tão poderosa: é preciso romper com esses tentáculos odiosos para seguir sendo quem se é, por mais difícil e solitário que seja.

"Devemos observar e cuidar das nossas relações e da manutenção de relações porque relações são alimentos ou vampiros, sem reciprocidade não pode haver uma relação que faça bem a nós. Penso que é um direito ser sempre aquele que alimenta uma relação, mas saiba que, mais dia menos dia, você estará tão fraco que não terá forças nem para se alimentar, nem para alimentar a própria replicação e seguirá em um vazio pleno de faz de conta —no mal sentido da expressão. Romper também é continuar. Volte
para o centro da encruzilhada e peça a Exu que lhe renove o caminho", conclui.

Romper para continuar sem pesos desnecessários, relações que não fazem mais sentido, sem culpas e em busca de respeitar quem somos.

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