Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Casamento de crianças e adolescentes provoca violência e abuso sexual

O ciclo se repete há gerações e encarcera a mulher numa infeliz experiência de pobreza e evasão escolar

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O Brasil é o quarto país do mundo em casamento de meninas com menos de 18 anos e a cada 21 minutos uma menina de dez a 14 anos se torna mãe, segundo dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos.

Como apontam as pesquisadoras Vitória Brito Santos e Saraí Patrícia Schmidt no artigo "E Viveram Felizes para Sempre": "No Brasil, o número de casamentos de crianças com menos de 18 anos é estimado em 1,3 milhão, segundo pesquisa da Universidade Federal do Pará, a UFP, realizada em 2013, em parceria com o Instituto Promundo e a Plan International. Desse total, 78 mil são casamentos de meninos e meninas entre dez e 14 anos. A pesquisa realizada pelas instituições apontou que o país está em quarto lugar no ranking dos países com maior número absoluto de casamentos infantis, atrás apenas de Índia, Bangladesh e Nigéria".

Ilustração representando uma uma menina negra de costas e com o rosto virado à direita
Ilustração publicada em 24 de fevereiro - Linoca Souza

Meninas com idades entre 11 e 16 anos estão se casando e, provavelmente, várias se casaram no dia de hoje e muitas outras se casarão amanhã. Apesar de, desde 2019 haver a lei 13.811, de autoria da ex-deputada Laura Carneiro (DEM-RJ), que proíbe o casamento infantil, isso não impede que a prática exista. Citada no artigo de Vitória e Saraí, a Plan International tem um documentário muito interessante chamado "Casamento Infantil" disponível na internet.

Os assuntos estão interligados e se trata de um tema complexo e de suma importância, mas que, apesar de esforços de muitas mulheres em especial, não recebe a atenção necessária. Vale lembrar que a gravidez e o casamento infantil não são um fim em si mesmo, mas sintomas de algo que já está presente na sociedade brasileira e gerador de inúmeras consequências.

O casamento de meninas, por exemplo, não decorre apenas da gravidez. Esse é um dos motivos, certamente. Mas, inseridas em comunidades de vulnerabilidade social, com ausência de Estado e políticas públicas, as meninas brasileiras são atingidas em seu futuro das mais diversas formas. Há meninas que se casam porque estão na mais absoluta miséria e o sistema patriarcal usa da vulnerabilidade econômica delas.

Mulheres têm se organizado em seus espaços ainda minoritários para denunciar esse tema, construindo ferramentais de conscientização. Recentemente, assisti a um documentário na HBO Brasil chamado "Apenas Meninas", filme de estreia da cineasta Bianca Lenti.

A obra traz depoimentos de psicólogas e conselheiras tutelares e conta histórias de diferentes meninas moradoras de periferias mapeando as diversas causas do casamento infantil, que afeta majoritariamente meninas negras.

Um excelente material para quem gostaria de entender mais a fundo o complexo cenário do casamento infantil no país, assim como produções audiovisuais, livros e pesquisas que estejam tratando desse tema. No filme citado, há aquelas que se casam para fugir da violência física e abuso sexual no seio da própria família. Outras, porque acreditam que isso trará uma vida melhor.

São vários motivos que as levam a casar, a grande maioria deles trágicos, e o que segue depois costuma ser uma infeliz experiência comum. São casamentos com alta probabilidade de exposição dessas crianças a violências físicas, financeiras, sexuais.

Há infinitos relatos de confinamento e obrigação de cuidar de crianças, muitas delas que mais tarde serão outras meninas confinadas na mesma posição. Nesse cenário, percebemos quão ridícula pode ser a afirmação de que essas meninas estão casadas "porque querem".

Para falarmos de autonomia, precisamos falar em sujeitos de direito, algo que não são, por se encontrarem em estado de abandono social.

O ciclo se repete há gerações no Brasil e encarcera a mulher na pobreza e na evasão escolar. Lembro que era professora de filosofia na rede estadual em Guarulhos, na periferia da Grande São Paulo, e dava aula para uma sala de 50 alunos.

O cenário era lamentável, a escola era precária, e acompanhei situações muito problemáticas, desde professores que se relacionavam com alunas adolescentes a meninas que se viam enclausuradas nesse ciclo. Mas, naquele espaço, um dos dias mais tristes foi ver a melhor aluna da sala, de 15 anos, engravidar de um homem bem mais velho, com quem ia se casar.

"Professora, o que posso fazer? Minha mãe está comemorando que é uma boca a menos para alimentar." Só pude lamentar e oferecer meu apoio para ajudá-la a continuar os estudos.

Pensar projetos para o Brasil passa necessariamente por pensar saídas emancipatórias para meninas e mulheres.

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