A jornalista Renata Mendonça, colega colunista deste jornal, apontou racismo de um comentarista esportivo que reduziu o atacante belga Romelu Lukaku a um jogador desprovido de técnica e dotado de mera força física. O comentário foi feito na transmissão da final entre Chelsea e Palmeiras, no qual o clube inglês venceu o jogo —com gol de Lukaku— e se sagrou pela primeira vez campeão mundial de futebol masculino.
O pivô do time marcou seu nome na história mais uma vez. Dono de uma carreira exitosa, é o maior goleador da seleção belga, marca que atingiu aos 27 anos. Conquistou títulos nacionais e internacionais e recebeu diversas premiações. E ainda vai conquistar muito mais.
Mas, salvo exceções, jornalistas esportivos não se qualificam na compreensão da sociedade em que estão e costumam cair na vala comum, repetindo clichês da lógica racista que animaliza o negro e retira sua capacidade racional o confinando em um lugar de força física.
Reproduzem teorias do século 19, ou racismo científico, a ideia de que a população negra seria biologicamente inferior à população branca, com o fim de justificar a escravidão. Segundo essa ideologia, que, vale frisar, reinou na intelectualidade do país e sedimentou as bases de estudos e discursos, negros e negras seriam dotados de força física e capacidade braçal, mas não seriam aptos a desenvolver trabalhos intelectuais.
Ainda hoje, as raízes dessa visão colonial se traduzem no ranço em reconhecer, ou na teimosia em não reconhecer, a genialidade de uma pessoa preta, seja ela atleta, escritora, política, artista et cetera.
Seria interessante que as empresas que empregam comentaristas, jornalistas, editores(as), diretores(as), fizessem a formação de seus quadros. Na melhor das hipóteses, a pessoa nem sabe que está reproduzindo um comentário racista, o fazendo por estar inserida em uma sociedade construída sobre essas bases.
Logo, sendo o combate ao racismo um dos objetivos da República e sendo essas empresas concessões públicas, é dever formar seus profissionais, para que reproduções de discursos racistas não ocorram e, se e quando vierem a ocorrer, que haja políticas de reparação.
O jornalismo esportivo é um campo de urgente atuação, pois o esporte, incluindo o futebol, foi estruturado pelo racismo. Negros foram impedidos de praticar esportes. Quando começaram a jogar, receberam apelidos racistas de todo tipo, prática comum até hoje, assim como é um dado da realidade não haver técnicos ou dirigentes negros.
Há uma série de estudos sobre o tema, documentários, filmes que poderiam ser pesquisados por quem se diz da área, mas é claro que é mais confortável permanecer ignorante.
Durante todo o desenvolvimento do esporte, os comentários racistas do jornalista esportivo foram e são vala comum.
Por mais de 50 anos, o goleiro Barbosa foi punido por ter sofrido um gol na Copa de 1950. Diante do que a mídia branca entendeu como falha, criou-se o "mito do goleiro negro", que dizia que "negro não serve para ser goleiro". Até a ascensão de Dida, em 1995, o posto de goleiro da seleção foi dominado por arqueiros brancos. Na TV, é comum ver esse clichê ser repetido.
Historicamente, as empresas de imprensa em geral são compostas por homens, sobretudo em cargos de direção. Contudo, a hegemonia no campo esportivo é ainda maior. Até recentemente, mulheres nem sequer eram comentaristas de programas ou narradoras.
O ambiente profissional aliado a estruturas históricas são um cenário propício para a misoginia, o ódio às mulheres. "Invasora" da paz que reinava nas brincadeiras dos "meninos", a presença de mulheres, em especial de mulheres conscientes, faz com que haja hostilidade em relação a seu trabalho.
Lembrou-me dos tempos em que escrevi um artigo apontando racismo de jornalistas esportivos que se referiam a Serena Williams, simplesmente a maior tenista de todos os tempos, de forma reducionista e desrespeitosa. No texto, cobrava jornalistas que haviam sido tenistas de menor expressão a se portarem de maneira digna na profissão.
Era 2015, não havia ainda publicado livros e estava no meu terceiro ano como colunista. "Quem é essa que está nos questionando?" A reação, assim como a resposta masculina a Renata Mendonça, foi um chilique, e é engraçado que homens gostem de se referir a mulheres como histéricas. Mas basta um questionamento diante de uma besteira dita para começar um verdadeiro esperneio dele e de seus coleguinhas solidários.
Como diz o amado jornalista Paulo César Vasconcellos, o espaço é ocupado e ampliado. A mudança virá, o absurdo deixará de ser normal e as mulheres só estão começando.
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