Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu machismo

Falta de mulheres nas eleições e morte de Moïse motivam novo marco civil

Reunidas por Marta Suplicy, ativistas e empresárias assinam documento para lembrar que gênero não é pauta menor

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Na última semana, o movimento de mulheres do Brasil escreveu um belo capítulo em sua história de articulação, irmandade e vanguarda. Aconteceu, em São Paulo, na residência da ex-prefeita e atual secretária de Relações Internacionais da cidade Marta Suplicy a reunião suprapartidária de mulheres de diversas regiões e lugares sociais para construir a agenda de campanhas presidenciais. A iniciativa ficou conhecida como "Carta Aberta Brasil Mulheres", divulgada após o encontro com uma série de reivindicações.

A carta pode ser lida na íntegra em brasilmulheres.com.br, bem como deveria estar disponível em todos os jornais e revistas do país, impressos ou da TV. O compromisso com a agenda coletiva deveria ser a missão de todos os veículos de comunicação do Brasil, haja vista o volume alarmante de violência
contra as mulheres no país.

Ilustração representando mulheres que seguram megafones
Ilustração publicada em 3 de fevereiro - Linoca Souza

O mesmo vale para partidos políticos e seus candidatos presidenciáveis. A pauta de gênero não pode ser tratada como um recorte ou subtema. Partindo de uma perspectiva interseccional, gênero, raça e classe precisam ser entendidos como opressões estruturais que agem de modo indissociável. A mulher negra, pobre, por exemplo, é a base da pirâmide social justamente por sofrer as consequências do
entrecruzamento de opressões.

Logo, gênero não é um assunto específico, mas sim que diz respeito a pensar um projeto de sociedade sem hierarquias. Gênero é central e estrutura as relações num país em que a cada oito minutos uma mulher é vítima de estupro, quarto do mundo em casamento infantil, que alimenta a feminização da pobreza e que elege um presidente que diz a uma mulher que não a estupra porque ela não merece.

Trata-se de evento político da maior relevância, no qual as vozes das mulheres ecoaram por direitos, pressionando candidatos a se posicionarem. Participaram do encontro mulheres da política institucional, de movimentos negros e sociais, como também escritoras, empresárias, ativistas para construir uma agenda comum.

Como afirma Marta Suplicy à coluna: "Que seja uma fagulha que engaje corações e mentes na batalha que é levar as questões da mulher e do racismo para o centro das discussões. A falta de mulheres na disputa presidencial assim como a selvageria contra o imigrante congolês Moïse Kabagambe são as últimas testemunhas desta necessidade".

Entre as demandas na carta estão: a paridade de gênero e equidade de raça nas instituições públicas, políticas e privadas; cumprimento da legislação eleitoral de reserva de vagas às mulheres com estímulo a candidaturas competitivas; garantia de recursos para políticas públicas destinadas a mulheres e meninas nas leis orçamentárias.

São 19 pontos que também alcançam a expansão dos direitos reprodutivos no Brasil, atrasado em relação aos países economicamente desenvolvidos, como também em relação aos pares latino-americanos.

A carta avança um debate que também não pode mais esperar. A reforma no modelo de segurança pública, com enfrentamento ao encarceramento em massa da população negra, assim como a reforma da política de drogas, cuja consequente explosão do número de encarceradas gera efeitos drásticos em todo ciclo familiar e comunitário.

As demandas alcançam as políticas de educação para incentivo a mulheres, com especial atenção à juventude negra, para ciência e tecnologia. Uma atenção às mulheres deve ser feita de um modo sofisticado, olhando para cada questão de uma forma completa. No campo da educação, por exemplo, a carta também lista políticas para jovens e adultos e propõe que mães estudem no mesmo período que filhos e filhas.

O documento lembra a indispensável valorização dos saberes indígenas e quilombolas na garantia da justiça climática e enfrentamento do racismo ambiental, "com implementação e cumprimento das normas ambientais de espectro local e global".

E em tempos que o país se comove pelo horror ocorrido no quiosque da Barra da Tijuca, a carta já havia estabelecido como ponto a formação de políticas de proteção integral de mulheres refugiadas, migrantes legais e ilegais.

Este texto não pretende esgotar tudo o que foi dito nesse documento histórico, que será estudado por gerações. Da mesma forma, há muitas outras políticas para nomear e avançar que não estiveram no documento. Mas um ponto que me pareceu significativo foi que a iniciativa trouxe a formulação de um marco civil de gênero. Essa legislação, tão necessária num país patriarcal como o Brasil, ainda está por vir, mas teve seu marco civil simbólico na reunião da última semana.

Um marco civil pelas mulheres, um projeto de sociedade que verdadeiramente amplie as noções de humanidade.

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